Por Cássio Faeddo
Dinheiro. Muito dinheiro. É isso que está em jogo — e por trás — da reorganização silenciosa que o esporte mundial vem atravessando. A transferência de protagonismo da Fórmula 1 para países fora do eixo tradicional europeu — especialmente no Oriente Médio — e a expansão do Mundial de Clubes da FIFA são apenas os sintomas mais visíveis de uma mudança geopolítica mais profunda — e inevitável. Um novo eixo de poder está se formando, e a Europa, embora ainda rica em tradição e técnica, vê-se desafiada por petrodólares, infraestrutura de ponta e ambições globais vindas de outras regiões do mundo.
Não é por acaso que a Fórmula 1, esporte de origem aristocrática europeia, agora corre sob os holofotes de Jeddah, Abu Dhabi e Doha. Nem que a FIFA tenha escolhido ampliar o Mundial de Clubes mirando a Ásia e a África. Não se trata apenas de mercado, mas de narrativa: quem comanda o espetáculo, comanda a imagem — e quem comanda a imagem, influencia o mundo.
Assim como Donald Trump flertou com a compra da Groenlândia, Nicolás Maduro ambiciona o território da Essequibo e Vladimir Putin invadiu a Ucrânia em nome de um pretenso direito histórico. O mundo assiste a uma nova era de disputas por influência, onde a conquista de espaços se dá não só por tanques e tropas, mas por contratos milionários, arenas cintilantes e transmissões planetárias. A diplomacia do século XXI também é feita com camisas de futebol.
FIFA x UEFA: o embate de bastidores sobre a Copa do Mundo de Clubes
Essa nova ordem não vem sem atritos. A relação entre FIFA e UEFA está longe de ser harmoniosa. A UEFA, que sempre ditou as regras do futebol de clubes, vê na expansão do Mundial uma ameaça direta à sua hegemonia — especialmente à Liga dos Campeões, seu principal produto comercial.
Enquanto a FIFA busca uma globalização real do futebol, descentralizando o protagonismo europeu, a UEFA tenta preservar seu feudo. E não esconde o incômodo. As críticas à ampliação do Mundial — sob argumentos de “excesso de jogos” ou “desgaste dos atletas” — soam cínicas vindas de quem inflacionou calendários com Supercopas em locais exóticos e torneios cada vez mais longos.
A UEFA criticou a Copa e a mídia europeia, em boa parte, se fez de títere.
Mas o que realmente incomoda a Europa é a perda de controle, prestígio e dinheiro. O futebol global não gira mais apenas em torno de Madri, Munique ou Milão.
Os dilemas no tabuleiro global
Nesse novo cenário, o papel de Israel é peculiar. Apesar de estar geograficamente no Oriente Médio, Israel disputa eliminatórias e torneios da UEFA, e não da AFC (Confederação Asiática de Futebol). Uma decisão com origens políticas, mas que hoje se revela destoante em um contexto no qual países árabes e asiáticos tentam redesenhar sua imagem no mundo.
As monarquias do Golfo, que investem bilhões em esporte, querem ser vistas como modernas, pacíficas e estáveis. Fazem de tudo para dissociar sua imagem de guerras, extremismos e grupos como o Hamas — inclusive investindo em cultura, turismo e, claro, futebol. A guerra em Gaza, os bombardeios e a retórica belicista de Israel contrastam com o projeto de “soft power” dos sauditas e seus vizinhos.
É um mundo que deseja negócios, não necessariamente trincheiras. Se o Hamas pensava em atrair os árabes e persas para uma guerra contra Israel, erraram muito. E, nesse sentido, Israel se torna também um corpo estranho ao sonho de transformar o futebol em vitrine diplomática e de geração de negócios.
O futebol como teatro de poder
Quando a Arábia Saudita contrata astros como Cristiano Ronaldo ou Neymar, ela não está apenas comprando gols. Está comprando imagem, influência e legitimidade. Está dizendo ao mundo que pode ser epicentro cultural, não apenas fornecedor de petróleo. E quando a FIFA aposta nesses mercados, está apostando no futuro.
No centro desse jogo, há dinheiro. Muito dinheiro. Dinheiro que compra clubes, calendários, consciências — e, sobretudo, espaço simbólico. A geopolítica do século XXI não se faz apenas com sanções, cúpulas ou tanques. Faz-se com contratos de transmissão, plataformas de streaming, gramados padronizados e escudos globais.
A Europa em crise quase existencial, sem o apoio de Trump, e sem o protagonismo econômico de outrora, observa de longe. Reclama, resiste, mas sabe: o jogo virou. Pelo menos um pouco. O mundo aprendeu a jogar — e joga com estratégia e dinheiro. A Europa, talvez, precise aceitar que já não está mais sozinha em campo.
Cassio Faeddo é Mestre em Direito e MBA em Relações Internacionais pela FGV-SP
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