Por Cássio Faeddo
A realização da Copa do Mundo de Clubes nos Estados Unidos acendeu alertas entre advogados e gestores de equipes brasileiras.
A razão? A surpreendente retenção de 30% pela Receita Federal americana (IRS) sobre as premiações recebidas por clubes estrangeiros que atuem em solo americano sem estrutura jurídica local.
Para alguns, esse dado parece contradizer o mito muito difundido — sobretudo em redes sociais — de que os Estados Unidos são um país “sem impostos” ou de “tributação baixa”.
A verdade é mais complexa. O sistema tributário dos EUA é altamente estruturado, descentralizado e seletivo. Embora o país não possua um imposto federal sobre consumo nos moldes do brasileiro (como o estadual ICMS), isso não significa ausência de carga tributária.
Em muitos estados americanos, há “sales tax” (imposto sobre vendas) que pode atingir até 11% quando somado ao imposto municipal.
No entanto, é verdade que o peso do consumo na arrecadação geral é menor que no Brasil — o que reforça a percepção de que lá “se paga pouco imposto”.
Mas essa percepção ignora tributos relevantes sobre renda e patrimônio.
No caso da premiação de atletas e clubes estrangeiros, o Internal Revenue Code (IRC) é explícito: rendas oriundas de performances ou atividades em solo americano, mesmo que por estrangeiros, são consideradas “U.S.-source income“, e devem ser tributadas como tal.
Para quem não é residente fiscal nos EUA, aplica-se a regra da “Fixed or Determinable Annual or Periodical Income” (FDAP), que determina uma retenção de 30% sobre a receita bruta — sem dedução de despesas.
Essa tributação incide sobre prêmios, bolsas e cachês esportivos recebidos diretamente ou indiretamente.
Em alternativa, o contribuinte pode optar por se enquadrar como “Effectively Connected Income” (ECI), que permite deduções e apuração de lucro líquido, mas implica uma alíquota progressiva que pode chegar a 37%, além de obrigações contábeis mais rigorosas.
Alguns clubes brasileiros cogitaram abrir empresas nos Estados Unidos para operar como residentes fiscais, mas desistiram após constatar que, mesmo nesse cenário, teriam de pagar 21% de imposto sobre o lucro gerado no território americano, além de 30% sobre os dividendos eventualmente repatriados — ou seja, a alíquota efetiva também ficaria em torno de 40%, equivalente ou superior à carga brasileira.
E no Brasil?
A tributação sobre premiações internacionais varia conforme a natureza da renda e o perfil do beneficiário.
Em geral, a Receita Federal entende que valores recebidos como prêmios por desempenho esportivo têm natureza de rendimento tributável.
Assim, atletas e clubes devem declará-los no Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) ou Jurídica (IRPJ), conforme o caso.
Para pessoas físicas, a tabela progressiva do IRPF se aplica, com alíquota máxima de 27,5%.
Diferentemente dos EUA, não há uma retenção automática sobre o montante recebido no exterior.
Isso exige que o contribuinte declare espontaneamente a renda auferida, sujeitando-se à multa em caso de omissão.
No Brasil: um tiro no pé, tributos altos sobre consumo, pouco sobre riqueza
Já na tributação sobre o consumo, o Brasil ocupa um dos primeiros lugares do mundo em termos de carga.
A soma de ICMS, IPI, PIS, COFINS e ISS representa uma porcentagem significativa do preço final de produtos e serviços.
Estima-se que mais de 45% da arrecadação tributária no país venha de impostos indiretos — que incidem sobre o consumo e penalizam proporcionalmente mais os pobres.
Isso sem deixar de mencionar que morrer nos EUA não vale a pena — pelo menos para herdeiros.
Quanto à tributação sobre heranças e doações, os EUA aplicam um dos tributos mais pesados do planeta: até 40% sobre o valor transferido, para cidadãos ou domiciliados no país.
Estrangeiros não domiciliados têm uma faixa de isenção ínfima — US$ 60 mil —, o que torna a sucessão patrimonial nos EUA um ponto crítico para estrangeiros com ativos naquele território.
No Brasil, o ITCMD é estadual e varia entre 4% e 8%, geralmente aplicado sobre qualquer bem recebido por herança ou doação, inclusive remessas do exterior.
Esses dados demonstram que o “paraíso tributário” dos EUA não passa de um mito.
Em vez de ausência de impostos, há uma estrutura seletiva: consumo pouco tributado, mas renda e patrimônio fortemente onerados — sobretudo em patamares elevados.
O modelo americano também favorece planejamento tributário sofisticado, o que permite que grandes fortunas utilizem brechas legais (como trustes, fundações, diferimentos) para reduzir carga efetiva.
Mas isso não se aplica à maioria dos contribuintes nem aos clubes estrangeiros com presença pontual no país, como os participantes da Copa do Mundo de Clubes.
A realidade, portanto, é que a retenção de 30% pela Receita americana não representa nenhuma excentricidade.
É regra há décadas, amparada por tratados internacionais e parte de um sistema que, embora diferente do brasileiro, não é mais brando — apenas mais focalizado.
Se o Brasil, por um lado, tributa fortemente o consumo e tem alíquotas progressivas mais baixas no IRPF, por outro, carece de políticas eficazes de conformidade internacional e oferece pouca segurança jurídica para planejar a sucessão internacional de ativos.
Já os EUA são duros com quem pisa em seu território sem planejamento tributário adequado — como aprenderam, na prática, os clubes sul-americanos que disputam o novo Mundial da FIFA.
Cássio Faeddo é Mestre em Direito e MBA em Relações Internacionais pela FGV-SP
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