A glândula tireóide produz hormônios que atuam em todo o nosso organismo, regulando o crescimento, digestão e o metabolismo (Thinkstock)
A venda de hormônios sintéticos da tireoide cresceu 65% entre os anos 2008 e 2012, segundo um levantamento da consultoria IMS Health, que analisa dados da indústria farmacêutica. Um dos medicamentos é o segundo mais vendido no Brasil. O fenômeno — ainda subdimensionado, porque os dados não levam em consideração medicamentos manipulados — pode estar ligado ao crescente consumo do produto não só por quem sofre de disfunção na tireoide, mas por pessoas interessadas em emagrecimento rápido (uso off label —para outras finalidades que não aquelas previstas em bula). Médicos alertam que o uso indevido do hormônio compromete o organismo e tem efeito pouco duradouro.
Em agosto, levantamentos já apontavam o crescimento do consumo de medicamentos para diabetes, epilepsia e depressão como alternativas para perda de peso, depois que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu a comercialização de emagrecedores à base de anfetaminas. “O hormônio tireoidiano é um hormônio de atividade, ele é liberado no organismo nas reações de fuga e combate”, explica Laura Ward, presidente do Departamento de Tireoide da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, e professora de clínica médica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
“Esse hormônio é destinado a prover energia para os músculos. Mas, em excesso, consome esses músculos. Perde-se peso, sim. Mas não é um bom emagrecimento, porque a perda é de músculo, e não de tecido gorduroso”, explica. A preocupação maior é com as fórmulas manipuladas. “Alguns colegas (médicos) são criminosos; deveriam ser denunciados. Eles prescrevem o hormônio tireoidiano puro, o T3, que é o de maior atividade: acelera o coração, causa arritmia, pode levar à isquemia do miocárdio e até ao infarto”, diz.
Histórico — O uso indevido do hormônio tireoidiano vem sendo percebido há alguns anos. Um estudo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), publicado em 2007, já apontava o uso elevado da substância.”O estudo principal era sobre a prevalência do hipotireoidismo na população, que estava em 12,3%. Mas incluímos uma pergunta sobre uso de fórmulas, chás e remédios para emagrecer. Encontramos um número muito grande”, afirma a epidemiologista Rosely Sichieri, da UERJ.
Das 1.296 mulheres que participaram do estudo, 34% tinham usado as substâncias ao menos uma vez na vida, e outras 11% relataram tê-las consumido nos dois meses anteriores à realização da pesquisa. Ao testar o sangue das voluntárias, as que haviam usado os medicamentos mais recentemente tinham nível do hormônio tireoidiano TSH reduzido. “Isso significa que elas estavam com hipertireoidismo”, afirma Laura.
De acordo com o especialista em treinamento esportivo Marcelo Ferreira Miranda, integrante do Conselho Federal de Educação Física, o uso indevido de hormônios da tireoide é uma prática simples de ser percebida pelos professores que atuam nas academias de ginástica. “A pessoa sua muito, fica ofegante, tem aumento da pressão arterial e da frequência cardíaca. Nas avaliações regulares, aparece a perda de massa muscular”, diz. “As academias acabam carregando o estigma de que estimulam ou são coniventes com essa prática. Não é verdade. A orientação é que as pessoas busquem recursos naturais e saudáveis para emagrecer.”
A médica Flávia Pinho, nutróloga do Espaço Stella Torreão, já atendeu pacientes que estavam tomando hormônios da tireoide. “Às vezes tinham prescrição médica; outras, não. Como método de emagrecimento é fugaz. Quando se interrompe a ingestão do hormônio, há o retorno dos padrões anteriores do metabolismo. Há risco de desenvolver deficiência hormonal e de dependência do medicamento para o resto da vida”, diz.
Fonte: Veja