28 de março de 2024

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Pesquisadora da FGV se posiciona contrária à política de cotas para mulheres executivas

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Para a professora Carmen Pires Migueles, a proposta é uma forma de advogar em causa própria e uma consequência da má representação política

 

Mulheres ocupando posições no alto escalão nas empresas já não é peça tão rara de se ver quanto há décadas atrás, mas a verdade é que ainda há um longo caminho a percorrer para que elas consigam se equiparar aos homens nesse quesito. Estudo produzido pelo Grupo de Pesquisas de Direito e Gênero da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV), em São Paulo, mostra que a presença feminina nos altos cargos é de apenas 8%. Os pesquisadores também constatam que esse percentual não sofreu sequer alteração nos últimos 15 anos.

 

Para reverter esse quadro, há várias soluções. Uma delas, que suscita divergências, é a imposição de cotas de participação de mulheres nos conselhos administrativos. A proposta, que já tomou forma em um projeto de lei – arquivado pela Comissão de Assuntos Econômicos, reservaria, até 2022, 40% das vagas em conselhos de administração de empresas para as mulheres. O tema foi capa da edição de abril da revista América Economia, que contou com participação da professora do Mestrado Executivo em Gestão Empresarial e coordenadora do Núcleo de Estudos em Sustentabilidade e Gestão de Excelência, ambos da FGV, Dra. Carmen Pires Migueles.

 

A pesquisadora se posiciona contra as cotas pois a questão é bastante mais complexa. Para ela, a posição em conselhos é normalmente um passo após a passagem pela presidência ou diretoria das empresas. Nessas posições há uma predominância de engenheiros. Ainda há muita desigualdade nos cursos e na alta gestão e o número dos conselhos é consequência disso. Segundo recomendações da ONU e Banco Mundial, é importante olhar para a difícil associação entre desigualdade entre gêneros e pobreza persistente. No Brasil, “a desigualdade dificulta a vida das mulheres da base e facilita a das do topo”, salientou em entrevista à revista. O problema é complexo, por isso demanda foco.

 

Segundo ela, muitas das que defendem as cotas em conselhos advogam em causa própria, parecendo mais uma questão de benefício próprio, ou buscam uma promoção facilitada. “O que se vê é uma conjunção terrível entre pobreza persistente, baixa qualificação e violência contra as mulheres. O arranjo social faz com que a mulher fique mais responsável pelos filhos que o homem, o que muitas vezes, a impossibilita para o trabalho”, defendeu Carmen, que sugere políticas públicas que deem suporte à maternidade, como aumento da quantidade de creches, escolas em tempo integral, apoio à criança e estimulo e reflexão sobre valores e escolhas. “O Brasil é carente deste tipo de projeto porque nós, mulheres, somos muito mal representadas politicamente”, enfatizou na matéria da América Economia.

 

Escolas, babás e carreira

Para a diretora da Weplace Talent, Viviane Gonzalez, com vasta experiência como Executive Search na região de Campinas, as empresas modernas se renderam à capacidade feminina e dificilmente dizem “não” a uma profissional que deseja um posto superior. “O segredo é saber aonde se quer chegar, buscar os resultados e negociar a posição. O que percebo é que muitas mulheres ainda não fazem uso do seu poder de comunicação, não falam abertamente sobre seus objetivos, seus planos, e, pior, não mostram suas possibilidades e condições”.

Ela exemplifica, ainda, que atualmente algumas posições são quase que exclusivamente formada por mulheres. “Já me pediram um candidato homem para uma determinada posição gerencial e não encontrei nenhum. Naquele segmento, as mulheres são esmagadora maioria”. A especialista revela, ainda, que principalmente em cargos mais altos, dificilmente são exigidos idade ou sexo do candidato.

Viviane concorda que falta estrutura institucional para conciliar a vida profissional e pessoal. “Em muitos casos, as mulheres vão até certo ponto e depois optam por não prosseguir na carreira porque não querem cortar os laços familiares. Elas evoluíram no mercado de trabalho e conquistaram novos espaços, mas o cuidado com as tarefas domésticas e filhos continua sendo delas e isso cota nenhuma pode resolver”.

Segundo ela, a maternidade não atrapalha a mulher que consegue se organizar. Quando decide ter filhos, é necessário que programe suas prioridades, como por exemplo, se vai contratar uma babá ou colocar a criança na escola, se vai trabalhar aos finais de semana ou, ainda, como manter os momentos de lazer. “A maternidade ajuda as executivas quando estas percebem como são eficazes ao conseguir conciliar as inúmeras demandas de sua vida, o que traz mais confiança”.

Jahlile Jehá tem 64 anos, três filhos e seis netos. Separada e com crianças pequenas, estudou, criou os filhos sozinha com auxílio de creches, escolas e babás, mas não desistiu da carreira. Hoje comemora a colheita desta decisão como executiva de uma grande empresa de RH, sediada em Brasília – ainda não está aposentada – e com a família estabilizada. Com o salário que recebe, consegue ter uma vida estável, excelente qualidade de vida e ainda prover “grandes” mimos aos descendentes.

 

Mulheres no comando e as cotas

A presença feminina em cargos de liderança foi o tema de uma mesa redonda com executivos de grandes empresas em maio, no Global Summit of Women, fórum com mulheres líderes de todo o mundo que aconteceu na capital paulista. Participaram da discussão o CEO da Sodexo Brazil, Juan Pablo Urruticoechea; o presidente da GM na América do Sul, Jaime Ardila; o presidente da Fersol, Michael Haradom; o presidente da Avon Brasil, David Legher e o presidente do McDonald´s na América Latina, Edgardo Navarro. Adriana Arai, editora da Bloomberg América Latina, foi a moderadora.

Juan Pablo lembrou que as cotas em cargos de diretoria são importantes para forçar a ascensão. Jaime Ardila afirmou que as iniciativas de diversidade não começaram agora na GM. “Na diretoria, temos cinco mulheres, uma melhoria incrível”. E disse que é preciso garantir que o design e a engenharia dos veículos atenda melhor as preferência da mulheres. “Um bom exemplo, são as SUVs, que elas gostam tanto de dirigir, mas que antes era difícil – então passamos a produzir de maneira diferente. A nossa CEO é engenheira e ela fez mudanças essenciais, isso é imensamente importante”, observou Ardila.

Na GM, as mulheres representam 24% dos funcionários e 43% dos recentemente contratados. “Em 2030, teremos 40% de mulheres, mas não basta. Gosto de metas, mas não gosto de cotas porque essas mudam números, mas não cultura. Acredito que temos que mudar cultura também e ela precisa mudar bilateralmente. Não são apenas os homens que discriminam. Temos que promover isso que as mulheres escolham também essas carreiras porque caso contrário haverá uma composição de pessoas que não são as mais competentes.

Michael Haradom lembrou as conquistas femininas nas últimas décadas e disse que é a favor das cotas. David Legher contou que, para cada nova posição aberta na Avon, há no mínimo uma mulher candidata. “Elas participam de todos os processos e são chefes da pesquisa e desenvolvimento. Também temos horários flexíveis, possibilidade de home office, temos creche nas instalações da Avon”, exemplificou. Ele lembrou que ter mais mulheres no poder é muito importante e que os avanços na América Latina ainda são muito tímidos. “Nós, homens, vamos apoiar e criar políticas para que isso aconteça. As mulheres que estão aqui, como líderes, têm que empoderar pessoas abaixo e falar em nome delas. Temos que nos fazer ouvir, temos que agir e vocês vão ter que levantar a voz e fazer a diferença”.

Edgardo Navarro comparou a América Latina a um castelo, no qual é difícil entrar e sair. Segundo ele, a sociedade de consumo mudou muito nos últimos dez anos e citou o crescimento da classe média, mas ele lembrou que as paredes do castelo permanecem, ainda que muitas pessoas estejam trabalhando para derrubá-las. Ele afirmou que a região tem talentos femininos formidáveis, o que falta ainda é oferecer oportunidades e ganhar flexibilidade. “Na empresa moderna, temos que permitir que nossos funcionários trabalhem em lugares diferentes e avancem à sua maneira”, disse.

Segundo Jaime, os homens promovem homens porque assim ajudam amigos, quem trabalha à sua volta, ou seja, uma questão de interesse. “Precisamos promover talentos e isso não tem nada a ver com gênero. Talento é disseminado uniformemente, não faz diferença se é mulher ou homem”, concluiu.

 

*Com informações da revista América Economia.

(Os comentários são de responsabilidade do autor, e não correspondem à opinião do SB24Horas)
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