28 de abril de 2024

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Eu, racista

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Por Maristela R.S. Gripp  

Passeando num shopping, em Salvador, e sem saber onde era a praça de alimentação, olhei em volta e vi um homem jovem, negro e de terno. Na hora pensei que ele deveria ser um dos seguranças e fui na sua direção. A medida em que eu me aproximava, observei que ele não tinha nenhuma identificação, muito menos aqueles radinhos que geralmente os seguranças usam em serviço.  Quando me dei conta do meu erro, já era tarde! Ele percebeu o meu constrangimento e procurou amenizar a situação, dizendo que estava ali aguardando a namorada, que havia entrado numa loja. Pedi desculpas pelo meu equívoco. Após me dar a informação, de forma super educada, sobre onde eu poderia almoçar, me desculpei mais uma vez pela minha falta de atenção e saí.    

Mas aquela situação me incomodou a tarde toda! O que me fez pensar que um jovem negro, de terno, dentro de um shopping só pudesse ser um segurança? Se fosse um jovem branco, a minha percepção teria sido a mesma? Claro que não! O problema é que a nossa mente já está condicionada a ver o negro sempre como um serviçal, um empregado. É isso que o racismo e o preconceito fazem com a nossa visão! Ele coloca uma lente distorcida sobre os nossos olhos.  

Nesse mesmo dia, cheguei a uma triste constatação sobre mim mesma: Eu era uma pessoa racista! E isso me assustou muito! Como eu, sendo uma mulher negra, vindo de uma família negra, podia ser racista e preconceituosa?   

Assistindo a uma entrevista do professor Silvio Almeida, agora nosso “mui digno” Ministro dos Direitos Humanos, pude entender a minha atitude naquele dia no shopping. Silvio Almeida dizia que quando nascemos numa sociedade estruturada a partir do racismo, todos nós somos afetados por ele em alguma medida e que isso vai aparecer em algum momento. Todos nós, de alguma maneira, adotamos atitudes racistas, seja nas nossas relações sociais ou seja no modo como nos referimos aos negros. Ou então, quando adotamos certos tipos de comportamentos que, a princípio, podem até parecer livres de preconceito, mas não são. Por exemplo: “Racista, eu? Claro que não, tenho até amigos negros!” Ou “Não tenho nada contra os negros, mas meu filho(a) casar com um negro já outra coisa, né?” Ou “Precisa clarear a família, né?” 

A História do Brasil pode nos ajudar a entender um pouco, esse tipo de comportamento, embora não justifique atitudes racistas de nenhuma espécie. Basta lembrar, que o Brasil foi o último país a abolir a escravidão e que quando isso finalmente aconteceu, os negros foram deixados à margem da sociedade, sem nenhuma possibilidade de educação, trabalho digno ou posse de terra para se sustentar. Para os recém libertos, só sobraram as encostas dos morros e os subempregos. Os negros que haviam trabalhado para construir o país foram deixados à própria sorte para morrerem.   

De acordo com Abdias do Nascimento, a abolição foi o início de um projeto premeditado de genocídio do povo negro. O último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, de 2022, diz que pretos e pardos somam 77,6% das mortes violentas no país. Entre as crianças negras de até 14 anos, 61% foi vítima de morte violenta com arma de fogo nas periferias das grandes cidades. Algumas, estavam dentro de suas casas ou brincavam com outras crianças na rua.  

Numa tentativa de mudar esse quadro lamentável de mortes e de falta de conhecimento sobre a participação fundamental dos negros no Brasil, foi que a Rádio Novelo produziu, em 2022, o Projeto Querino. Trata-se de um projeto jornalístico em formato de podcast, que apresenta temas relacionados à contribuição dos africanos escravizados para produzir a riqueza do nosso país. Os episódios são elaborados por professores, pesquisadores, artistas e trazem informações preciosas.  

Nesse sentido, é muito importante que a gente se conscientize de que nascemos e vivemos numa sociedade racista, fundada sobre o escravismo e cujas instituições são baseadas num racismo estrutural desumano que só tem tirado vidas. O racismo é uma doença e o conhecimento é o remédio que pode nos ajudar a sair dessa UTI, em que vivemos desde a abolição. Já passou da hora, Brasil!   

Maristela R. S. Gripp é doutora em Estudos Linguísticos e Professora do Curso de Letras na UNINTER 

(Os comentários são de responsabilidade do autor, e não correspondem à opinião do SB24Horas)
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