29 de março de 2024

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Dispensa de anotação de ponto: O presente de grego da MP de liberdade econômica

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Por Cássio Faeddo

 

Se implementada, a inclusão desta medida será um verdadeiro presente de grego para empregados e empregadores.

A MP 881, conhecida como MP da Liberdade Econômica, teve seu texto amplamente modificado na Câmara dos Deputados. Uma das inclusões no texto permite que os trabalhadores deixem de anotar o ponto. A previsão consta no relatório do deputado Jerônimo Goergen (PP-RS) que foi aprovado em comissão especial do Congresso.

Desta forma, empregados e empregadores poderão estabelecer acordo individual para não mais anotarem os registros de entrada,  saída e intervalo.  Somente serão anotadas horas extras, folgas, faltas e férias.

Se implementada, a inclusão desta medida será verdadeiro presente de grego para empregados e empregadores.

Explica-se:

O atual texto do  artigo  74, § 2º, da CLT, dispõe da seguinte forma:

Para os estabelecimentos de mais de dez trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho, devendo haver pré-assinalação do período de repouso

É importante esclarecer que somente estabelecimentos com mais de dez trabalhadores devem manter anotação de ponto. Quanto ao intervalo, apenas exige-se a anotação de pré-assinalação de horário previsto para o intervalo, pois a lei não obriga anotar diariamente os intervalos efetuados pelo empregado.

De pronto há consequência jurídica indesejável. O espelho de ponto é uma prova pré-constituída, ou seja um documento existente fora e antes de um eventual processo judicial. É uma prova que antecede a hipótese de existência futura de um processo judicial.

Este é o Cavalo de Tróia que o texto da MP 881 contém. Em termos das lides judiciais, se o empregado questionar a existência de horas extras que não foram anotadas em controle de ponto a prova será exclusivamente testemunhal, apesar de o texto da MP 881 exigir a obrigatoriedade. Ocorre que a MP incentiva o desprezo a anotação de jornada de trabalho. É porta aberta para fraudes.

Na prática diária trabalhista há jornadas de trabalho antecipadas ou prorrogadas pelo empregado que hoje são anotadas em espelhos de ponto, mas não são quitadas pelo empregador. São horas extras conhecidas como “não autorizadas”, mas que são efetuadas pelo empregado que não pode deixar de concluir o trabalho.

Na falta de um documento no qual as horas de entrada e saída possam ser anotadas, restarão apenas depoimentos imprecisos de testemunhas que podem causar prejuízos a uma das partes, especialmente nesses casos nos quais as horas extras ocorreram, mas não são reconhecidas a priori pelo empregador.

Observe-se que a redação do Código de Processo Civil, em seu artigo 373, determina que o ônus de prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; e ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Da mesma forma o art. 818 da CLT, ainda que este último seja mais econômico em seu texto.

Mas não é só.  A ausência de controles poderá afetar também a aplicação de justa causa como nos casos faltas e atrasos reiterados cometidos pelo empregado, pois a única prova do empregador será a testemunhal. Esclareça-se que o ônus de provar a ocorrência de justa causa é de quem alega, neste caso, ônus do empregador.

Essas são apenas algumas das prováveis consequências jurídicas que podem complicar a vida tanto de empregado quanto de empregador pelo abandono de um simples documento de anotação de jornada sob a roupagem da liberdade das partes.

Cássio Faeddo – Advogado. Mestre em Direitos Fundamentais, MBA em Relações Internacionais – FGV SP.

(Os comentários são de responsabilidade do autor, e não correspondem à opinião do SB24Horas)
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