Mesmo quem alega desconhecimento pode responder na Justiça; especialistas explicam implicações legais
A recente onda de intoxicações provocadas por bebidas alcoólicas adulteradas com metanol em São Paulo, que já resultou em mortes e dezenas de atendimentos hospitalares, abriu um debate urgente sobre as responsabilidades legais de bares e restaurantes que comercializaram os produtos. Enquanto a Polícia Federal e a Polícia Civil investigam a atuação de redes criminosas por trás da adulteração, consumidores buscam explicações e reparação.
Segundo o advogado Raphael Medeiros, especialista em direito do consumidor, os estabelecimentos não podem simplesmente alegar desconhecimento como forma de se eximir de responsabilidade. “O Código de Defesa do Consumidor estabelece responsabilidade objetiva para fornecedores. Isso significa que, independentemente de dolo ou culpa, bares e restaurantes podem ser responsabilizados pelos danos causados ao cliente, mesmo que tenham adquirido a bebida adulterada acreditando que fosse regular. O consumidor não pode assumir o risco por falhas na cadeia de fornecimento”, explica.
Na prática, isso abre caminho para ações de indenização tanto individuais quanto coletivas, além da atuação de órgãos como Procon e Ministério Público. Medeiros alerta ainda que caberá ao comerciante demonstrar que adotou procedimentos mínimos de segurança, como a compra de distribuidores confiáveis e a verificação de selos fiscais. Já do ponto de vista criminal, o advogado Vinicios Cardozo, especialista em direito penal, afirma que a apuração precisará separar casos de dolo (quando há intenção de fraudar) de situações em que o comerciante agiu de boa-fé.
“Se ficar provado que o bar comprava bebidas de origem duvidosa, sem nota fiscal ou de fornecedores clandestinos, pode haver responsabilização por crime contra a saúde pública, previsto no artigo 272 do Código Penal, além de associação criminosa se houver vínculo com redes de adulteração. Já quem adquiriu os produtos de distribuidores regulares, mas acabou enganado, tende a responder apenas na esfera civil, não criminal”, afirma Cardozo.
Vinicios Cardozo ressalta ainda que o Ministério Público pode oferecer denúncia criminal contra intermediários e distribuidores envolvidos diretamente na adulteração ou ainda quando ocorre uma negligência severa na aquisição das bebidas pelos comerciantes, enquadrando-os em crimes graves com penas que podem ultrapassar dez anos de prisão.
“O mesmo vale para eventuais indenizações às vítimas. O Poder Judiciário brasileiro já se deparou com esta matéria, a exemplo do caso da cervejaria Backer em 2019, em que os donos/sócios foram processados criminalmente e sofreram medidas cautelares severas (quebra de sigilo, proibição de sair do país, bloqueio de bens), além de responderem em frentes cível/coletiva e administrativa.”
Enquanto isso, autoridades sanitárias reforçam a recomendação de que bares e restaurantes façam auditorias imediatas em seus estoques e adotem critérios mais rígidos de aquisição. Para o consumidor final, a orientação é verificar procedência, desconfianças sobre preço abaixo do mercado e, em caso de suspeita, acionar os canais oficiais de denúncia.
O caso expõe graves falhas na fiscalização da cadeia de bebidas no Brasil e reforça o alerta para o setor de bares e restaurantes que a necessidade de garantir segurança ao consumidor passa a ser também uma questão de sobrevivência jurídica. “Entre o risco de responder por falhas de fornecedores e a obrigação de adotar controles mais rigorosos, o setor se vê pressionado a rever práticas e processos para não ser responsabilizado indenizações milionárias além de eventual apuração na esfera criminal”, completa Vinicios Cardozo.
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