A alimentação vegetariana suscita paixões e polêmicas. Alguns argumentam que a carne faz falta para o organismo e outros que é possível ser saudável sem ela. Conheça a opinião de diversos especialistas sobre o assunto
A pesquisadora Suzana Herculano-Houzel, do Rio de Janeiro, afirma que um vegetariano pode ter grandes riscos de não ingerir a quantidade suficiente de proteínas, o que faz falta para o desenvolvimento e o bom funcionamento do cérebro. Ela diz ainda que bebês e crianças não devem ser submetidos a dietas vegetais, a não ser sob supervisão médica. Eric Slywitch, médico e diretor da Sociedade Vegetariana Brasileira, vê na afirmação “um equívoco” e a rebate argumentando que o cérebro é priorizado quando há desnutrição severa. Nesse caso, ocorre perda de massa muscular para aproveitamento proteico cerebral. Segundo ele, não há provas de comprometimento do vegetariano, e a preocupação com o equilíbrio na dieta de crianças deve existir, independentemente de ser onívora ou não. Veja algumas reflexões trazidas por especialistas para ajudar na decisão sobre o que colocar no prato.
Vegetarianos são mais saudáveis?
O nutrólogo Durval Ribas Filho, presidente da Sociedade Brasileira de Nutrologia, garante que a dieta vegetariana não oferece perigo se for monitorada: “Sugiro um check-up a cada seis meses e, se houver qualquer deficiência, ela pode ser rapidamente corrigida”. Já o nutricionista George Guimarães, diretor da consultoria NutriVeg, em São Paulo, considera a medida sem importância. “O cardápio vegetariano disponibiliza os nutrientes necessários. Vegetarianos são mais saudáveis e têm menos doenças crônico-degenerativas e cardíacas.” Para comprovar sua tese, ele cita uma pesquisa da Universidade de Oxford, feita com 45 mil voluntários (34% vegetarianos) e publicada no American Journal of Nutrition. Os que não comiam carne apresentaram menor risco de cardiopatias. Pesa nesse quadro um traço comportamental, admitido por Durval. Os vegetarianos são mais criteriosos quanto aos alimentos que consomem, não cometem exageros, cuidam da saúde e são menos propensos à obesidade.
Ovolactovegetariano ou vegetariano?
A nutricionista Cynthia Passoni, especialista em nutrição infantil pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), uma estudiosa da relação entre crescimento e alimentação, pondera que a dieta vegetariana não é garantia de saúde: “É muito comum ver pais que não consultam um médico e simplesmente trocam a carne por massas e pães, prejudicando os filhos”. Para ela, a proteína é um dos itens mais polêmicos. Presente principalmente na carne, também está em feijões, lentilha, quinoa, nozes (amêndoas, castanha de caju) e sementes (gergelim e linhaça). “Nestes últimos, cumpre o mesmo papel da proteína da carne no desenvolvimento”, diz ela, “mas nem sempre está incorporada nas refeições infantis.” Eric lembra uma tabela nutricional que aponta que um bife grelhado, de 64 gramas e 190 calorias, pode ser trocado por 7 colheres (sopa) de lentilha cozida. O pediatra Mauro Fisberg, autor do Guia Descomplicado da Alimentação Infantil, editado em parceria com as revistas CLAUDIA e SAÚDE, põe lenha na fogueira: “Quanto mais restrita é a dieta, maior a possibilidade de ocorrer alguma deficiência alimentar”. Ele explica que um cardápio ovolactovegetariano, que abre o leque para o ovo e o leite, ofereceria uma opção mais completa. “O cálcio, presente no leite, é essencial para a formação óssea. Sem ele, pode haver, no futuro, risco de osteopenia e osteoporose. A soja também é boa fonte de cálcio, que está em menor quantidade em verduras verde-escuras.”
É preciso complementar
A gestação e os primeiros anos da infância são fases críticas, segundo Cynthia. Por isso, Mauro argumenta que a família deveria esperar um pouco para introduzir a criança no vegetarianismo. Ou fazê-lo sob orientação. E aí recorrer aos alimentos fortificados. “No mercado, há arroz, sucos e queijo de soja enriquecidos com cálcio”, diz Andrea Giancoli, nutricionista da associação americana de nutrição.
A falta de outro elemento da carne vermelha, o ferro, pode levar à anemia, que causa cansaço e baixa concentração. O ferro das leguminosas (feijão, soja) e das folhas verdes-escuras é menos assimilado pelo organismo. Por isso, vegetarianos devem dobrar a ingestão para não ficar com o estoque baixo – embora esse grupo tenda a se adaptar e aumentar, gradativamente, a capacidade de absorvê-lo. “Para potencializar o ferro, é preciso combiná-lo com vitamina C (acerola e goiaba) e ainda evitar laticínios, que dificultam sua absorção”, afirma Cynthia. O peixe de água fria, excluído da mesa vegetariana, é rico em ômega 3 – importante para a mielina, gordura que encapa as fibras nervosas e acelera a comunicação entre os neurônios. “Dá para obter a quantidade diária necessária de ômega 3 ingerindo 2 colheres (chá) de óleo de linhaça”, rebate George. Segundo ele, o único componente que não tem substituto, a vitamina B12, precisa ser acrescentado por meio de injeções, cápsulas ou gotas. Ela provém da carne e tem função fundamental no raciocínio. Sua falta pode levar à anemia e prejudicar o crescimento das crianças.
Richard Wrangham, primatólogo e professor de Harvard, autor de Pegando Fogo – Por Que Cozinhar nos Tornou Humanos (Zahar), joga o debate para outro campo. Quando a comida é cozida, diz ele, obtemos a mesma quantidade de calorias na dieta vegetariana ou na típica americana, rica em carne. Só com as cruas ocorrem perdas.