26 de abril de 2024

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O PL das Fake News e o atentado aos direitos e garantias fundamentais

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Por Caroline De Toni

As redes desempenham um papel no exercício do debate público que na Antiguidade pertencia às praças, com várias vantagens e facilidades, dentre as quais destaca-se o alcance e a velocidade das informações. Contudo, todo esse exercício de liberdade de comunicação e expressão do pensamento fez despertar a vontade insaciável de alguns legisladores de querer controlar e limitar a liberdade do povo.

Em nome de se proteger a liberdade de expressão e de se fazer das redes um ambiente seguro, querem agora sacrificar justamente os valores e as liberdades individuais mais caras a uma sociedade livre.

A contrapartida pela tão sonhada segurança é sempre a concessão de grandes doses de liberdade e, no caso, é preciso abrir mão de direitos e garantias individuais protegidos pelo núcleo duro da Constituição: o sigilo das comunicações, a intimidade e a privacidade, a livre iniciativa, a liberdade de pensamento e expressão, entre outros.

Tudo isso é preciso, justificam, para se combater a polarização, o “discurso de ódio” que estaria a reinar soberano nas redes sociais, a disseminação de fake news, a desinformação, os disparos em massa que “manipulam o debate público”, o combate aos robôs, e também às perigosas “tias do zap”, que, com seus valores conservadores, ameaçam a nova sociedade justa e igualitária que a nova ordem mundial quer instalar.

Diga-se de passagem – e todos nós sabíamos desde a instalação da CPMI da Censura -que, além da tentativa de derrubar o Presidente Bolsonaro, o relatório final proporia medidas legais para trazer o “reino da paz” nas redes. Porém, a pandemia do COVID-19 atrapalhou os planos fazendo com que o Senado se antecipasse e aprovasse o Projeto de Lei 2630/2020 que está agora em trâmite na Câmara dos Deputados.

Fácil perceber que esse projeto não é direcionado aos grandes veículos de comunicação e sim ao cidadão comum, como se os primeiros estivessem acima do bem e do mal (e só falassem a verdade, com isenção) e como se as falas do cidadão comum tivessem cunho jornalístico (leia-se: o PL das fake news não trata de notícias falsas e chama de “notícia falsa” a repercussão da notícia pelo cidadão comum).

Por uma questão lógica, se os antigos detentores do monopólio da informação não são alvos do projeto de lei, certamente serão seus beneficiários pois as milhões de vozes que diariamente divergem da opinião reinante na grande mídia brasileira serão assim caladas.

Assim, o que transparece do projeto é que, na visão do legislador, o cidadão comum é um ente perigoso na internet e precisa ser controlado no uso das mídias sociais (Facebook, YouTube, Twitter, Instagram, Tinder, LinkedIn, TikTok, Snapchat) e dos serviços de mensageria privada (WhatsApp, Telegram, Skype, Messenger, Zoom, Google Hangouts).

O diretor de políticas públicas do WhatsApp para a América Latina, Pablo Bello, está certo ao afirmar que, com a lei das fake news, “é como se mais de 100 milhões de brasileiros passassem a ser monitorados por tornozeleira eletrônica”. Com razão, pois é um dos aplicativos que mais será atingido pela lei.

O WhatsApp é um mensageiro cuja proposta é proteger a privacidade das mensagens dos usuários, mas, a partir desse projeto de lei, os autores das mensagens serão rastreados, já que o aplicativo deverá guardar as informações sobre os reencaminhamentos de cada mensagem para poder identificar a origem de conteúdos potencialmente ilegais.

Serão mais de 120 milhões de brasileiros que serão rastreados.

Qualquer pessoa que encaminha mensagem para cinco ou mais pessoas, no seu WhatsApp ou outro mensageiro, tem de saber que isso será considerado “encaminhamento em massa” e que suas mensagens serão armazenadas por noventa dias, para checagem. Você certamente engrossará os números do relatório de transparência que a plataforma terá de elaborar e que será alvo de análise pelo Conselho de Transparência e Responsabilidade da Internet.

Ao mesmo tempo em que os horizontes da liberdade se fecham no Brasil, nos Estados Unidos a situação é absolutamente oposta, com o endurecimento das medidas para as plataformas que censuram conteúdo nas redes dos cidadãos.

O Presidente Trump, em 28/05/2020, assinou uma ordem para assegurar a liberdade de expressão nas redes sociais. Partindo do raciocínio que um pequeno grupo de empresas monopoliza as redes sociais e controla uma vasta proporção de toda a comunicação pública e privada dos países, tendo um poder ilimitado para censurar, restringir, editar, retirar manifestações das pessoas das suas plataformas, Trump considerou que essas posturas de suprimir, editar, ocultar ou banir acabam se tornando decisões editoriais e, como tais, censuram as visões das quais discordam por meio da aplicação seletiva de “checagem de fatos” (fact checking).

A postura de escolher o que tirar ou promover nada mais é do que ATIVISMO POLÍTICO que acaba numa verdadeira censura e ameaça ao direito de livre manifestação do pensamento. Portanto, Trump retirou o “escudo contra a responsabilização” dessas empresas de tecnologia que monopolizam as redes sociais como alerta para que não violem a liberdade de expressão do povo.

Na democracia brasileira, em vez de os legisladores seguirem o modelo de defesa da liberdade do povo, querem, por meio do PL 2630/2020, dar ainda mais poderes às empresas de tecnologia para que não só rastreiem e armazenem mensagens privadas, mas também criem um “devido processo legal” a fim de “moderar” determinadas postagens potencialmente lesivas. Ora, não existe fundamento constitucional que autorize a imposição de um sistema interno específico de devido processo legal para agentes com relação às suas próprias políticas de uso, sendo certo que já existem remédios judiciais disponíveis para apuração de quaisquer reclamações sobre abusos.

De plataforma fornecedora de serviços de comunicação, as empresas se transformarão em verdadeiros agentes fiscalizadores dos usuários, a serviço do Estado, para que, dentre outras coisas, sejam obrigadas a combater as chamadas contas inautênticas (perfis fake) e as contas automatizadas (robôs) ou não identificadas; identifiquem os conteúdos impulsionados e publicitários; promovam a suspensão de contas vinculadas a números de celular cujo contrato com a operadora foi rescindido; e desenvolvam políticas de uso que limitem o número de contas por usuário.

O Brasil será o primeiro país democrático do mundo que vai implantar um sistema digno de governos autoritários, que é a rastreabilidade e o armazenamento de mensagens em plataformas de mensagens privadas, mesmo que não contenham conteúdos ilegais. O efeito imediato disso é que as pessoas terão receio de encaminhar mensagens até para grupos de amigos ou família, o que é uma clara e direta violação ao direito à liberdade de expressão e à privacidade.

O sistema de vigilância total e de rastreabilidade de mensagens privadas será o mais rígido do mundo, visto que não há legislação sequer parecida em outros países. Até mesmo a globalista Organização das Nações Unidas (ONU) tem demonstrado preocupação com o nível de intervenção na privacidade que está sendo discutida no Brasil.

Isso sem falar que as exigências feitas às empresas que prestam esse serviço vão significar um grande aumento de custos, o que inclusive pode inviabilizar novos empreendimentos neste ramo e tornar o Brasil um mercado pouco atrativo para startups estrangeiras.

Do ponto de vista econômico, o PL 2630/20 também é contrário à lógica mundial pois, enquanto o mundo se dirige a uma abertura cada vez maior à inovação e à livre iniciativa trazidas pela internet, o Brasil insiste numa prática antiliberal que inibirá a inovação tecnológica devido aos elevados custos relacionados ao cumprimento das exigências legais brasileiras (dentre os quais, por exemplo, os custos de armazenamento).

O anonimato nas redes também será proibido se o projeto for aprovado.

Nada mais antidemocrático que impedir que as pessoas possam usar das redes sociais sem se identificar, usando pseudônimos por exemplo. O anonimato “social” pode ser um recurso utilizado legitimamente pelo cidadão que não quer informar nome completo, CPF, nome da mãe e endereço ao fazer denúncias públicas para não sofrer violência e perseguição em seu contexto social, ou não perder o emprego. Ou mesmo, puramente para poder emitir uma opinião livremente, usando pseudônimo para isso.

Em última instância, sabemos que o anonimato perante a polícia e a justiça não existe, pois em relação aos crimes cometidos pela internet a polícia judiciária possui os meios necessários para chegar aos IPs e aos autores do potencial ilícito. Portanto, absolutamente sem razão quem acha que a internet é uma “terra sem lei”, pois o mesmo ato ilícito que se comete fora dela pode ser apurado se feito por meio dela.

Isso sem falar que já temos arcabouço legal suficiente para coibir potenciais crimes, não sendo necessário instrumento adicional que coloca em risco a privacidade e o exercício do direito constitucional da livre expressão pelos cidadãos brasileiros.

No Brasil somos campeões quando se trata de sacrificar as liberdades individuais. Isso não é só um problema de privacidade, mas uma violação direta a direitos humanos consagrados.

Tudo isso, repita-se, para se instaurar o “reino da paz” nas redes!

De um lado, temos a privacidade das mensagens, o sigilo das comunicações, a liberdade de expressão, a proteção de dados pessoais; de outro lado, temos a rastreabilidade das mensagens, a coleta massiva dos dados privados pelas plataformas, a suspeição de todos os usuários em nome de uma suposta segurança. Qual lado você escolhe: um ambiente de liberdade nas redes, onde a segurança é feita de modo orgânico ou um ambiente controlado, tendo de ceder nossas liberdades mais sagradas? Pois vale mil vezes mais estar na suposta insegurança do que se ver o sacrifício das nossas liberdades.

Nunca foi tão importante discutir esses temas porque se avizinha de nós o PL 2630/2020 que vai sacrificar, de uma só vez, direitos e garantias individuais, ao mesmo tempo que vai amordaçar e censurar a livre circulação de mensagens nas redes sociais.

Para finalizar, como ferrenha defensora das liberdades civis, estou elaborando uma Proposta de Emenda Constitucional, chamada de “PEC da Liberdade de Expressão”, para ampliar esse direito fundamental, impedir limitações a esse direito dos mais sagrados numa democracia e também garantir o anonimato.

 

Caroline De Toni é deputada federal por Santa Catarina. Advogada por profissão, mestre em Direito Público, militante de direita há mais de dez anos e aluna do Olavo de Carvalho desde 2006.

(Os comentários são de responsabilidade do autor, e não correspondem à opinião do SB24Horas)
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