Por Cassio Faeddo
Uma das últimas polêmicas artificiais criadas para passarmos nosso tempo de confinamento na pandemia do coronavírus foi sobre hipotética rivalidade entre Beatles e Rolling Stones. Velhos amigos de guerra, Paul McCartney e Mick Jagger entraram na onda. Assim, para Paul, Beatles foram mais completos e para Mick, Stones tocaram em grandes arenas.
Em que pese a base de blues dos Stones ser completamente diferente das ecléticas influências da banda de Liverpool, a polêmica é divertida.
O que não é nada divertido é convivermos desde 2018 com um Presidente da República que flerta com ilegalidades e afronta às instituições da República desde que assumiu a presidência. Não é nem necessário enumerar seus feitos, pois há inúmeras publicações de juristas que se debruçaram de forma brilhante neste assunto.
Retomando o tema da música, percebemos que os Rolling Stones já previram o tipo de situação vivida pelos brasileiros atualmente, porque quem fala muito em Deus e cristianismo, na verdade, precisa reforçar suas crenças. É o mesmo que aquele que se declara honesto a todo tempo.
Quando Jagger e Richards escreveram “Sympathy For The Devil’, talvez não imaginassem nosso quadro político atual, mas a letra é simplesmente adequada ao Brasil da Covid-19 e nossa política interna:
“Por favor, permita que eu me apresente / Sou um homem de riquezas e bom gosto / Estive por aí por muitos, muitos anos / Roubei a alma e a fé de muitos homens / E eu estava por perto quando Jesus Cristo / Teve seu momento de dúvida e dor / Certifiquei-me de que Pilatos / Lavasse suas mãos e selasse seu destino(…)”.
Não estariam TSE, STF e Congresso Nacional lavando as mãos como Pilatos e condenando uma nação inteira a ter compaixão pelo demônio? Por que a chapa de Bolsonaro simplesmente não foi cassada até agora por ter efetuado uma campanha viciada? A troca de comando da Polícia Federal tem relação com esta campanha?
Citando Paul McCartney em “The long and wind road”, acompanhamos o longo e tortuoso caminho que nos reserva este momento:
“A longa e sinuosa estrada / Que leva até a sua porta / Jamais desaparecerá / Eu já vi esta estrada antes/ Ela sempre me traz até aqui / Conduz-me até a sua porta (…)”
A porta citada na canção, metaforicamente, é a porta deste presidencialismo absurdo de coalisão que sempre nos levará ao mesmo resultado: instabilidade e sofrimento do povo brasileiro.
E o impeachment não seria, de fato, um longo e tortuoso caminho?
A Lei Nº 1.079/1950, ao tratar do crime de responsabilidade que dá ensejo ao complicado processo de impeachment nos esclarece o quadro atual:
Art. 4º – São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra:
I – A existência da União:
II – O livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados;
III – O exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV – A segurança interna do país;
V – A probidade na administração;
VI – A lei orçamentária;
VII – A guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos;
VIII – O cumprimento das decisões judiciárias (Constituição, artigo 89).
Sobre o inciso II nem precisamos muito esforço intelectual, pois uma autoridade que se manifesta de forma dúbia em frente à manifestantes que pedem o fechamento do Congresso Nacional e do STF, está de forma reflexa endossando um ideário totalitário.
O ex-ministro Sérgio Moro, que recusou-se ao conluio do favorecimento, denunciou não só crime comum, como crime de responsabilidade, conforme artigo 9º, itens 4 e 7, da Lei 1.709/50, ao denunciar o pedido de Bolsonaro para troca de delegado na Polícia Federal para benefício próprio:
“Art. 9º São crimes de responsabilidade contra a probidade na administração:
4 – Expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição.
7 – Proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.
Para o crime comum caberá ao Procurador Geral da República dar andamento. Se o STF acatar a denúncia, na Câmara dos Deputados deverá ter aprovação de 342 deputados, e posterior julgamento pelo Senado, sob o comando do presidente do STF.
Para os crimes de responsabilidade, quem dará prosseguimento será o Presidente da Câmara, e , aprovado por 342 dos 513 deputados, o processo seguirá para julgamento no Senado, presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal.
A exemplo de Dilma Roussef, o presidente será afastado se maioria simples do Senado acatar o prosseguimento do processo.
É complexo, longo e tortuoso, preço do sistema constitucional de Checks and Balances, também conhecido como Freios e Contrapesos.
Sem dúvida alguma, o Brasil precisa mudar de forma urgente seu sistema de governo, e sobretudo, exigir governantes capacitados nos moldes exigidos hoje na Ásia.
Que nos desculpem as eventuais críticas sobre elitismo, mas precisamos um nível de escolaridade de mestres e doutores no Congresso Nacional e demais Poderes da República. Precisamos dos melhores currículos e pessoas de reputação ilibada no comando, o mundo não permite mais demagogias baratas de representatividade democrática, não funciona mais desta forma.
E ao final, citando nosso momento na Lacrimosa de Mozart:
(…) Logo que o juiz se assente / Tudo o que está oculto, aparecerá / Nada ficará impune / O que eu, miserável, poderei dizer? / A que patrono recorrerei / Quando apenas o justo estará seguro?
Estamos aguardando que o juiz se assente, não precisando ser mais claro que isto.
Sobre Cassio Faeddo: Advogado. Mestre em Direitos Fundamentais. MBA em Relações Internacionais – FGV SP