Por Cássio Faeddo
Não há muitas dúvidas quanto ao fato de a democracia brasileira ser um cristal raro que deve ser cuidado com muita cautela, pois a história demonstra que qualquer solavanco pode quebrá-lo.
Em especial, há um desconhecimento de muitos nascidos após a Constituição de 1988 de como pode ser perigosa a ausência de democracia, a exemplo do que ocorreu quando da publicação do AI-5, e medidas decorrentes destes. Há pessoas públicas, como é de conhecimento notório, que flertam com inconstitucionalidades e atentam contra o próprio Estado.
Lembremos de Carlos Lacerda, que em famoso áudio desafiava o Almirante Aragão, ameaçando o militar com a morte. Recordemos que o Almirante Aragão se manteve leal ao Presidente João Goulart quando ocorreu o golpe de 1964.
Um pouco mais à frente, em 1966, este brilhante orador de linha política conservadora, foi contrário à prorrogação do mandato do Presidente Castelo Branco; compôs a Frente Ampla contra o regime em companhia de Jango, Juscelino e outros. O resultado: em 1968, Lacerda foi cassado pelo regime militar e preso no Regimento de Cavalaria da Polícia Militar. Nem mesmo um intelectual de alto nível como Lacerda passou ileso, o que dirá de figuras nebulosas do momento presente.
O fato é que a democracia pode ser um sistema com uma série de deficiências e problemas, mas é a única forma de mantermos um mínimo grau de civilidade nas relações entre civis e destes com o Estado.
Todas as experiências ditas revolucionárias, aqui ou na China, de esquerda ou de direita, levaram ao extermínio em menor ou maior número de vítimas, e foram traumáticas para as nações. O que desejamos ressaltar é que a liberdade de expressão, como norma constitucional fundamental, deve ter, de forma inconteste, garantias para seu exercício.
Por isso, a Constituição da República, no artigo 5º, inciso IV, garantiu a liberdade de expressão, porém vedou o anonimato. A regra impôs limites ao garantir: “o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”, conforme inciso V do mesmo artigo.
Porém, o que não é possível admitir é a liberdade de expressão como salvo conduto para ofender as instituições e a própria existência destas, além de pregar golpes e execuções; e aqui, incluímos tanto os atos dirigidos contra o Supremo Tribunal Federal, Presidência da República ou contra o Estado de Direito.
De forma infantil, ficaremos proferindo ofensas e agressões sem fim, como se tratássemos com crianças: “ por que se pune “A” e não se pune “B”? Para aqueles que não concordam, esclareço que o devido processo legal também faz parte do Estado Democrático de Direito.
Desta forma, se um deputado qualquer deseja mudar o STF, pode muito bem apresentar uma Emenda Constitucional e abrir o debate quanto ao tempo de exercício da magistratura na Corte, ou mesmo qual idade mínima e máxima para exercer o cargo de ministro.
Conforme artigo 101 da Constituição, os ministros do Supremo devem ter “mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade”, dotados de “notável saber jurídico e reputação ilibada”. No parágrafo único determina-se que serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal. É o consagrado sistema de freios e contrapesos.
Portanto, se o real interesse fosse mudar o perfil dos integrantes da Corte, e não apenas tumultuar e romper com o Estado de Direito, esse é o caminho; não há lugar para declarações estapafúrdias na Internet e redes sociais.
Já se tornou um clássico do Direito Constitucional o voto do Juiz Oliver Wendell Holmes Jr., dado em 1919, no julgamento do caso Schenck v. United States (249 U.S. 47, 52), com os seguintes dizeres: “(…) a proteção da liberdade de palavra não protegeria um homem que falsamente que grite fogo em um teatro e, assim, cause pânico”, e restará também desvendar se as palavras proferidas envolvem perigo evidente e atual (‘clear and present danger’).
Portanto, é evidente que a liberdade de expressão, como tantos outros direitos fundamentais, não são direitos absolutos, devendo ser exercidos de forma comedida.
E tal comando vale para comunicadores de rádio e TV, políticos, religiosos, jornalistas, cidadãos etc. Enfim, para toda a sociedade. Não se pode pregar contra o Estado de Direito para eliminá-lo, valendo-se da liberdade de expressão que este Estado de Direito garante.
Em um momento tão delicado pelo qual passam muitas democracias liberais, torna-se urgente o abrandamento das palavras, o uso da razão e do direito, no lugar de convocação ao conflito.
Cássio Faeddo. Advogado. Mestre em Direitos Fundamentais. MBA Relações Internacionais – FGV/SP