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A chegada do Ano-Novo volta a expor uma contradição recorrente em Santa Bárbara d’Oeste, Americana e em diversas cidades da Região Metropolitana de Campinas: embora existam leis que proíbem ou restringem o uso de fogos de artifício com estampido, a prática segue ocorrendo de forma intensa, quase sempre sem qualquer tipo de fiscalização efetiva. O resultado se repete ano após ano e vai muito além do incômodo sonoro. Trata-se de um problema de saúde pública, de bem-estar animal e de empatia social.
Em Santa Bárbara d’Oeste, por exemplo, a legislação municipal proíbe a soltura de fogos com barulho, permitindo apenas artefatos de efeito visual. A mesma regra vale para Americana e outros municípios da região. No papel, a norma é clara. Na prática, basta a noite do dia 31 de dezembro chegar para que rojões e fogos de alto impacto sonoro tomem conta dos bairros, sem que multas sejam aplicadas ou responsáveis identificados. A sensação de impunidade estimula a continuidade de uma tradição que, para muitos, já perdeu o sentido.
Os impactos são profundos. Famílias de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) relatam verdadeiros episódios de pânico durante as queimas. O barulho intenso e imprevisível pode causar crises severas, desorientação, taquicardia e sofrimento extremo, especialmente em crianças e idosos. Não se trata de “sensibilidade exagerada”, mas de uma condição neurológica reconhecida, que exige respeito e compreensão coletiva.
Os animais também figuram entre as maiores vítimas. Clínicas veterinárias e ONGs de proteção animal registram todos os anos um aumento significativo de atendimentos emergenciais durante a virada. Cães e gatos entram em estado de estresse extremo, fogem de casa, sofrem paradas cardiorrespiratórias e, em casos mais graves, não resistem. Há ainda registros de aves desorientadas e atropeladas, além de animais silvestres afetados em áreas de mata urbana.
Especialistas reforçam que o problema não está na celebração, mas na forma como ela é feita. Em pleno século XXI, quando diversas cidades do Brasil e do mundo já adotaram shows de luzes, fogos silenciosos, projeções mapeadas e outras alternativas tecnológicas, insistir no barulho como sinônimo de festa soa cada vez mais anacrônico. A tradição, por si só, não pode justificar o sofrimento de uma parcela significativa da população.
Outro ponto crítico é a ausência de campanhas educativas contínuas. As prefeituras costumam divulgar notas pontuais nas redes sociais nos dias que antecedem o Réveillon, mas não investem em ações permanentes de conscientização nem em estruturas reais de fiscalização. Sem equipes nas ruas, sem canais eficientes de denúncia e sem penalidades aplicadas, a lei se torna meramente simbólica.
Para muitas famílias da região, a virada do ano deixou de ser um momento de alegria e passou a ser um período de tensão, portas fechadas, televisão ligada no volume máximo e tentativas desesperadas de acalmar filhos e animais. Um cenário que expõe uma escolha coletiva: manter uma prática que beneficia poucos por alguns minutos ou avançar para uma celebração mais humana, inclusiva e compatível com os tempos atuais.
O mundo mudou, a sociedade mudou e o conceito de comemoração também precisa evoluir. Celebrar o Ano-Novo não deveria significar ignorar a dor do outro. Mais do que leis no papel, Santa Bárbara d’Oeste, Americana e toda a Região Metropolitana de Campinas precisam transformar discurso em ação, fiscalização em realidade e tradição em algo que una, e não que machuque.


