19 de maio de 2024

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Então, é Natal

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Por Samanta Lopes 

 

Em dezembro, geralmente exercitamos profundas reflexões. Optei por destacar o dia 14, porque é o Dia Nacional do Combate à Pobreza e da promulgação da Emenda Constitucional nº 31 de 2000, que criou o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza1. O que esses temas têm a ver com o ambiente corporativo? 

 

Infelizmente, o Brasil está entre os líderes globais em dois marcadores extremos: na alta produção de alimentos e, antagonicamente, na lista da miséria e fome. Há, no país, uma relação entre fome e mercado de trabalho que exclui grande parte da população. O tão falado “apagão” de talentos que assombra o mercado na última década será potencializado pelo fato de que parte desses talentos pode nem chegar a se formar no ensino básico, pois não conseguirá permanecer nas escolas devido à ausência de condições físicas, psicológicas e emocionais por causa da fome. 

 

Uma pesquisa publicada pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), em julho de 20222, mapeou que 60 milhões de pessoas sofrem algum tipo de insegurança alimentar. Durante a pandemia, houve aumento na feminização da fome3, que subiu de 33% para 47%. A fome da mãe geralmente se estende às crianças, que em regiões de menor poder aquisitivo, predominantemente são de sua responsabilidade, ou do núcleo feminino familiar. Há anos, estudos mostram que uma criança com desnutrição sofre impactos em todo o seu desenvolvimento, com baixa produtividade na escola, maior vulnerabilidade para doenças e evasão escolar, entre outros danos à sua construção cidadã que irão reverberar em toda a sociedade. 

 

Quando pensei em escrever sobre o tema, quis responder a uma pergunta que muitas empresas fazem quando trazemos à conversa o tema diversidade e inclusão de grupos minorizados: você já tem alguém pronto? Então, pergunto: o que é ter alguém pronto? Vejo vagas transitando entre os grupos de WhatsApp, LinkedIn e Telegram, todas dizendo que desejam incluir, mas colocam requisitos básicos que excluem muitas pessoas.  

 

Algumas vagas chegam a ficar dois anos abertas, sabe por quê? Porque pessoas vulneráveis têm de se esforçar muito mais e superar barreiras estruturais, como ter uma casa, comer e ter tempo para estudar. Como, então, terão acesso a uma jornada de vida, a conhecimentos e a um repertório que proporcione condições de sonhar em atuar nas áreas que contam com as melhores remunerações, se nem sequer conseguem obter apoio efetivo para não abandonarem os estudos enquanto se desdobram para pagar as contas e diminuir as dificuldades que vivenciam todos os dias? 

Temos visto muitas matérias falando sobre histórias de superação e sucesso a partir de pontos de partida dolorosos que com certeza são inspiradores. No entanto, não devemos romancear, pois a grande maioria da população não segue esse caminho. Um olhar para a carceragem brasileira mostra que boa parte da população vem das periferias. Além disso, infelizmente somos hoje o terceiro país do mundo em população prisional4 feminina.  

 

Abra a mente e imagine: uma família de quatro pessoas precisa de aproximadamente R$ 3 mil por mês para sobreviver em regiões de menor custo. Uma mulher que produz qualquer tipo de serviço ou produto para gerar esse valor no mês, retirando as despesas do negócio com material entre outros insumos, precisa vender entre R$ 4 mil e R$ 5 mil. Ou seja, se considerarmos seis dias de trabalho na semana, a cada dia, ela precisa garantir aproximadamente R$ 200 em vendas. Pode parecer pouco, mas se cada venda tem um ticket médio de R$ 15, ela precisa garantir que ao menos 15 pessoas comprem todos os dias, sem dar desconto, além de receber no mês corrente para que o dinheiro chegue a tempo de pagar as contas. Em uma região onde esses R$ 15 podem equivaler ao valor de uma refeição, caso o produto não seja muito relevante, o item não será a primeira escolha das pessoas. A concorrência indireta e até mesmo direta é grande, então, como garantir o giro? Daqui imagino as engrenagens na sua cabeça elaborando todo um plano: afinal, é só investir em mídias sociais que ela consegue. Será? 

 

Aterrissando a imaginação, se ela fizer bolo de pote não vai conseguir vender por mais de R$ 7 na região onde mora. Para estar em um sistema de vendas na internet, ela precisará calcular uma margem de no mínimo 30% devido às taxas da operação e competirá com marcas mais conhecidas e com poder de investimento para promoções e eventos. Sendo assim, suas chances de se destacar são bem pequenas, portanto, estar no digital não garantirá suas vendas. Bater de porta em porta também não. Além disso, ela precisa de tempo para comprar, produzir, organizar o negócio, cuidar da sua jornada como dona de casa e dormir.  

 

Por que estou trazendo essa descrição tão detalhada? Porque quando uma empresa abre espaço para contratar serviços de uma empreendedora dessas regiões, em uma única compra fomenta o cuidado de uma família inteira e a saída do ranking da miséria. Não há dúvidas de que adotar políticas de contratação afirmativas será fundamental: ajustar prazos de pagamento que sejam viáveis para comprar insumos e receber em tempo hábil, acompanhar o processo para que a pessoa consiga se adequar às expectativas que muitas vezes não fazem parte de sua realidade e, consequentemente, melhorar as entregas, além de ser parceira para que o fornecedor ou fornecedora sejam indicados para outras empresas. Em paralelo, investir em programas de entidades locais que estão atuando para desenvolver o ecossistema regional, como coletivos e ONGs, entre outros que são compostos por pessoas que realmente têm compromisso com a identidade desse lugar e estar próxima por meio de mentorias e ações solidárias, como nas datas comemorativas, sempre aproxima comunidades e organizações. 

 

Imagino que muitas pessoas de áreas financeiras e de gestão dirão que esse tipo de assistencialismo não muda nada, só desgasta o caixa. Mas tenho que discordar. Quando o ambiente no entorno de um ecossistema está mais saudável, as pessoas têm mais qualidade de vida e isso se reflete na saúde social de todo o território. Há programas hoje que olham para mulheres e jovens, entre outros grupos, a fim de formá-los com foco em segmentos de mercado, visando inserir pessoas pensantes que irão solucionar problemas nos quais a vivência é fundamental para trazer outro olhar e criar perspectivas de melhorias reais. 

 

Resgato aqui o conceito de economia circular e ESG, que trazem benefícios ambientais como a redução de descarte de resíduos; o mapeamento da cadeia de produção de insumos menos tóxicos, mais duráveis e que podem ser reciclados ou reutilizados; a redução de impactos ambientais; a geração de renda para pessoas que passam a usar resíduos para outros produtos. Enfim, dessa forma, só cresce o bem-estar e a qualidade de vida para todo o ecossistema, além da redução do socialwashing, uma vez que o sistema apresenta um processo de melhoria contínua. 

 

Então, se a sua empresa pretende fazer alguma ação filantrópica neste final de ano, mapeie os arredores de onde estão sediados, fale com pessoas que moram na região e que são suas colaboradoras para entender o que realmente poderá gerar impacto positivo de médio a longo prazo. Se não tem ninguém da região, talvez seja um bom momento para se aproximar de algum coletivo, associação ou entidade e apoiar alguma ação local. Sim, presentes de Natal sempre alegram quem recebe, mas é importante lembrar que a fome tem pressa e podemos ser agentes de transformação para que não faça novas vítimas. Isso vale mais do que qualquer presente. 

 

Samanta Lopes é coordenadora MDI da um.a #DiversidadeCriativa, agência de live marketing – uma@nbpress.com.br. 

 

 

Sobre a um.a 

Com mais de 26 anos, a um.a #diversidadecriativa está entre as mais estruturadas agências de live marketing do Brasil, especializada em eventos, incentivos e trade. Entre seus principais clientes estão a Pearson, o IBGC, o SBT, a ABRH-SP, entre outros. Ao longo de sua história, ganhou mais de 40 “jacarés” do Prêmio Caio, um dos mais importantes da área de eventos.  

(Os comentários são de responsabilidade do autor, e não correspondem à opinião do SB24Horas)
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