Núcleos de pesquisa crescem no país, atraindo jovens inspirados na série americana sobre entomologia forense
“Estudo o tempo de desenvolvimento das espécies de moscas varejeiras para estimar o tempo de morte de uma pessoa.” A frase podia ser de personagem da série americana CSI (Investigação da Cena do Crime, na tradução do inglês), mas faz parte do repertório da bióloga Karine Brenda Barros-Cordeiro, 29 anos. Ela finaliza mestrado na Universidade de Brasília (UnB) em entomologia forense, a ciência que estuda os insetos e outros artrópodes para solucionar crimes, área que vem ganhando destaque no país e colocando o Brasil na dianteira acadêmica da biologia criminal.

A pesquisa de Karine é resultado do chamado “efeito CSI”, como define o professor José Roberto Pujol, coordenador do Núcleo de Entomologia Forense do Instituto de Ciências Biológicas da UnB. “Temos uma demanda reprimida no país em pesquisa de ponta, mas mesmo assim o Brasil é referência na América Latina. O efeito CSI é grande na garotada que quer entrar nessa área. Há uma procura bombástica”, diz Pujol.
A procura cresceu junto com o despertar do interesse das polícias investigativas pela entomologia ao se depararem com casos complexos, nos quais a precisão pode inocentar ou condenar um acusado. “A UnB abriu esse espaço por causa da demanda da polícia, que trouxe esse problema (criar conhecimento) para a academia”, afirma.
Não à toa, o núcleo brasiliense formou 76 legistas e peritos criminais com suporte financeiro do Ministério da Justiça em 2003 e 2004. Alguns desses alunos voltaram para seus estados e instalaram núcleos próprios de pesquisa. Atualmente, além dos já tradicionais laboratórios de Campinas (SP), Rio de Janeiro e Brasília, há entomologistas em Belém, Curitiba, Macapá, Manaus, Salvador e Recife.
Foi graças à evolução do segmento científico, por exemplo, que a Justiça reuniu as provas necessárias para a condenação do pai e da madrasta da menina Isabella Nardoni , morta em 2008. A precisão do momento de morte da menina de 5 anos foi feito com a ajuda da equipe de Pujol.
Isso porque estudos como o realizado por Karine podem identificar o estágio de desenvolvimento de larvas de moscas e, com isso, a hora exata que o inseto nasceu. “O olfato das moscas faz com que elas sintam o cheiro de um corpo a 10 quilômetros de distância, depois de 10 minutos da morte”, diz a bióloga.
A descoberta dos restos mortais dos 154 passageiros do voo 1907 da Gol , em setembro de 2006, foi possível também por conta do olfato das varejeiras. “Depois do acidente da Gol já trabalhamos em outros acidentes de massa e na identificação de cemitérios clandestinos”, conta o professor.
O biólogo da UnB comemora também o número expressivo de casos que o núcleo de estudos brasiliense contribuiu em dez anos. “O pesquisador mais antigo em atividade mora no Hawai (EUA) e trabalhou em 150 casos em toda a vida. Em 10 anos, 50 casos passaram pelo nosso laboratório”, afirma.
Estufas sem tomada
Apesar do crescimento do interesse da “geração CSI”, a entomologia enfrenta dificuldade em segurar talentos e atrair especialistas experientes. O motivo é a falta de recursos para a investigação científica. “Em pesquisadores o efeito CSI é contrário. Para convencer um pesquisador a montar um laboratório é preciso muita lábia, em parte porque ele sabe que precisa estar à disposição da polícia 24 horas caso seja acionado e também por falta de fomento”, diz o coordenador.
Ele também se queixa do investimento governamental na área. “Tem alguns anos que converso com o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) para abrir um edital e nada. Se abrissem edital para 10 pesquisadores receberem R$ 10 mil cada um, seria maravilhoso”, lamenta.
As dificuldades são visíveis no núcleo de Brasília. A UnB adquiriu há dois meses três estufas climatizadoras com o repasse de R$ 126 mil pelo Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), mas não conseguiu ligá-las por falhas estruturais. “Não estou fazendo uma pesquisa de ponta por não conseguir ligar esse equipamento”, critica.
A estufa capaz de reproduzir diversos ambientes nos quais é possível identificar diferentes estágios de desenvolvimento de insetos e, com isso, precisar melhor crimes,demanda cerca de R$ 9 mil para construção da infraestrutura. “Esses equipamentos foram fabricados especificamente com um alto nível eletrônico e está desligado por falta de tomada, tubulação e a instalação de ar-condicionado para refrigerar o ambiente”, diz.
A falta de infraestrutura prejudica novas investidas científicas. “A gente não consegue fazer projeto de pesquisa e ao mesmo tempo ajudar num caso, porque só temos uma estufa funcionando”, diz Karine.
Guerrilha do Araguaia
Ainda assim, o núcleo de entomologia brasiliense dribla adversidade ganhando projeção internacional. Os brasileiros colaboraram com a perícia da Colômbia para identificar desaparecidos pelas Farc e desenvolveram a segunda pesquisa já produzida no mundo utilizando insetos para identificar a origem de maconha traficada para o Brasil.
“A partir da mosca contida na droga é possível identificar de onde ela vem. O único estudo desse tipo era do começo da década de 1980 e foi feito no Canadá. Um aluno conseguiu autorização da Justiça para fazer uma pesquisa igual aqui e o resultado foi ótimo”, conta Pujol.
O brasileiro prepara agora o terreno no qual vai montar o primeiro campo experimental para trabalhar na descoberta de cemitérios clandestinos. A experiência deve ajudar na busca pelos guerrilheiros desaparecidos na Guerrilha do Araguaia. “Os gringos ficam impressionados com a variedade de cenários que temos”, afirma.
IG