Por Cássio Faeddo
A mudança climática atinge fundamentalmente países em vias de desenvolvimento, fato que leva a um incremento nas possibilidades de criação de conflitos e a grandes fluxos migratórios.
Países subdesenvolvidos e com sérias deficiências econômica-sociais, com infraestruturas reduzidas, e governos que carecem de autoridade sobre seus territórios, são os que mais sofrem com alterações climáticas.
Citemos como exemplo o Lago Chade. O Lago Chade localiza-se em região empobrecida e com histórico de conflitos. O Lago atende cerca de vinte milhões em quatro países: Chade, Camarões, Níger e Nigéria.
O Lago Chade apresentou historicamente períodos de seca e de aumento de capacidade, mas desde a década de 60 do século passado, restou reduzido a 10% de sua capacidade total.
Sob este efeito de seca expandiu-se a miséria, a fome, e também o surgimento de diarreia, tifo, e outras doenças. A pesca foi afetada, bem como a agricultura.
Destaque-se que a escassez causada pela seca foi campo fértil para a expansão da criminalidade e terrorismo, como os atos praticados pelo Boko Haram, grupo fundamentalista islâmico jihadista que atua na NIgéria, Chade e Camarões.
Nos parece claro que a miséria, violência e a mudança climática têm relação intima. A seca, por exemplo, afeta a produção de alimentos e afeta o fornecimento de água. A falta de alimentos e de água retroalimenta a violência.
O impacto produzido pela mudança climática tem vínculo com o incremento de conflitos, considerando variáveis como desenvolvimento econômico e capacidades institucionais, fortaleza das instituições governamentais nacionais, fortaleza do sistema democrático, acesso as tecnologias e a equipamentos adequados, dentre outras variáveis.
Em nível global, as diferenças econômicas entre países, afetam diretamente a capacidade de dar resposta para solucionar esses graves problemas. Desta forma, temos países, como os europeus, que possuem e praticam programas avançados de redução de emissão de carbono e outros países que estão ainda considerando como manter a população com alguma segurança física e alimentar.
Outro efeito direto da mudança climática reside nas migrações involuntárias e o que isto pode gerar, com superlativos traslados de populações, mesmo ao interior dos Estados, ou fora de fronteiras. Essa migração é fundamentalmente de homens em idade laboral, que deixam para trás suas famílias e filhos, com grandes impactos econômicos e sociais para os países de origem (fundamentalmente) e para outros países receptores.
A escassez e a fome têm relação direta com a expansão do radicalismo religioso, que tem neste ambiente, campo fértil para crescimento. Pessoas paupérrimas e ignorantes, como acontecia com povos primitivos, aceitam com bastante facilidade soluções divinas para os problemas terrenos.
Giorgio Agamben, em sua obra “O reino e a glória”, trata exatamente da operacionalização do divino por representantes na terra. Nesse sentido, soluções como o sacrifício da guerra, dos semelhantes, tendem a justificar a salvação.
Nos parece evidente que fome e clima servem como combustíveis para intolerância e por consequência para a guerra.
A mudança climática e a carência de recursos naturais não são necessariamente o único fator gerador de conflitos armados, mas colaboram para desencadeá-los sobre populações e no interior de territórios e entre Estados.
É necessário assinalar que a única forma eficiente para encontrar solução para esses problemas – particularmente quando atingem a países desenvolvidos, ocorre mediante uma adequada governança global com políticas de cooperação econômica, financeira, tecnológica, técnica, dentre outras políticas.
Existe um vínculo direto entre o impacto que gera a mudança climática e os desastres ambientais tratando-se de países desenvolvidos ou não. A mudança climática atinge fundamentalmente países em vias de desenvolvimento, fato que leva a um incremento nas possibilidades de criação de conflitos e a grandes fluxos migratórios.
Esses países são localizados, principalmente, na África, América Latina e Ásia, e parte da resposta a esse problema são as capacidades que tem esses países para enfrentar a mudança climática.
Outro assunto a considerar é que países em desenvolvimento têm matrizes de produção baseadas na extração e de recursos naturais, sem tecnologias adequadas, e com fracos marcos legais regulatórios.
Fracas instituições governamentais são também características de países em vias de desenvolvimento. Ainda, é necessário ter presente a política de internacionalização de multinacionais que acentua os vínculos de centro – periferia entre países desenvolvidos e em processo de desenvolvimento.
Deve-se considerar que segundo o Programa da ONU para o Meio Ambiente (PNUMA), pelo menos 40% de todos os conflitos internos nos últimos 60 anos estão associados ao aproveitamento dos recursos naturais, sejam de alto valor como madeira, diamantes, ouro e petróleo, ou os escassos, como a terra fértil e água.
No Brasil, quadrilhas de criminosos atuam diretamente na extração de madeira e minérios, eliminando a possibilidade de desenvolvimento econômico com maior valor agregado e sustentável. No Brasil, o presente vem exterminando o futuro.
Mas não é um problema que se restringe ao Brasil. A Amazônia, por exemplo, possui território aproximado de 7.000.000 km² distribuídos entre nove países cuja principal extensão se concentra no Brasil (65%), e de que se trata da maior reserva de água doce do mundo e a selva tropical mais diversa, com 50% dás espécies vegetais do mundo, explica por si, que, a crise climática que está ocorrendo é tema que deverá permanecer na agenda da governança global por muito tempo.
Citemos um singelo exemplo da importância internacional de ações que afetam o meio ambiente: como resultado das queimadas, um corredor de fumaça proveniente da Amazônia atinge a Argentina, Bolívia, Peru e Uruguai, e igualmente geram impacto ambiental nos rios desses países.
No plano de legislação, o Brasil deverá estar atento que qualquer medida tomada internamente poderá gerar impactos externos e ser matéria de observação e ação internacional.
Cássio Faeddo. Advogado. Mestre em Direito. MBA em Relações Internacionais – FGV/SP