28 de março de 2024

SB24HORAS

Notícias na hora certa!

Contra o Racismo: Somos Todas e Todos Ananda!!!!!

Compartilhe essa notícia!

Para Fanon podemos nos reconhecer a nós mesmos com a restauração do mundo do Tu e a construção do mundo da Outra/do Outro. Que assim o seja!

¿Escucharon?
Es el sonido de su mundo derrumbándose… el del nuestro resurgiendo.
Subcomandante Marcos (diciembre 2012)

“(…) los zapatistas, en cambio, hablan del “derrumbe” del mundo dominante y el “resurgimiento de nuestro”, el mundo desde abajo “muy otro” en sentido y razón.»
(Walsh, 2013, 24).

 

Julho de 2019. Santa Bárbara do Oeste, Brasil. Motorista de aplicativo de celular nega corrida a passageira. Trata-se da passageira Ananda Santos Rocha que tem como ofício o trabalho de cozinheira e aos 23 anos narra ter feito uma chamada pelo aplicativo 99 para um transporte do Jardim São Francisco, onde trabalha, até sua casa no bairro São Joaquim (distante da área central). O problema exposto por Ananda é que o motorista teria se recusado a efetuar o deslocamento de um bairro a outro pelo fato de Ananda ser negra.

Tal motorista teria servido-se tiranamente da negação forjada pela colonialidade (do poder, do saber, de gênero, …) ao contestar as acusações. De acordo com a denúncia, assim que ele apareceu em um Renault Kwid laranja, Ananda -à distância-, gesticulou com o intuito de que ele parasse o carro. Então, ela relata:

“Eu parei perto da janela do carro e ele falou: ‘não pega, não ponha a mão’. Não transporto pessoa da sua cor. Meu carro é novo, você vai encardir.”

Consequentemente, Ananda alega ter questionado o motorista que teria respondido, “Olha na sua cor. Você acha que vou colocar pessoas da sua cor no meu carro?”. Em seguida, ele teria dito a ela que anulasse a corrida. Logo depois, ela teria entrado em contato com outro motorista e feito uma ligação à Central de Atendimento do aplicativo 99 com a finalidade de efetuar a denúncia:

“Entrei em contato com a empresa que se desculpou e informou que não aceitava situação assim e que iria tomar providências. Eu nunca imaginei na minha vida passar por uma situação dessa. Fiquei chocada. O que ele fez comigo não quero que faça com mais ninguém. Quero que essa pessoa seja punida e que sirva de exemplo para quem pratica esse crime.”

No Brasil, os crimes de racismo estão caracterizados na Lei número 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (alterada pela Lei Número 9.459, de 15 de maio de 1997). O artigo 20 determina que “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou precedência nacional,” obriga os transgressores a uma pena de reclusão de um a três anos além de multa. Ademais, a Constituição Federal em seu artigo 5º afirma que o racismo é um crime inafiançável e imprescritível.

Esse cenário de prática de discriminação é geralmente distorcido, e portanto, confundido como prática cultural. Nesse sentido, a colonialidade do poder e a colonialidade de gênero, indissociáveis, operam nas avenidas sociais da cotidianidade brasileira. Mascarados pela modernidade, encarnam aquilo que não se vê, mas governam aquilo que se vê. E o que se vê?

Vê-se a negação da vida, do passado, das experiências, das subjetividades, da espiritualidade, da transcendência e do existir da Outra. Vê-se a imposição validada e legitimada pelo mundo moderno colonial da raça e do gênero no que tange a arbitrariedade do forjamento de um modelo único, melhor, superior, absoluto e detentor de uma verdade indiscutível. Arquitetado para ser inquestionável. Só que não!!! Também vê-se uma lógica de comando e domínio que acopla todas as “solicitações” do colonialismo pontual histórico desde o século XVI até a atualidade, como diria Mignolo. Vê-se através da lente nublada e turva do poder capitalístico naturalizado, Eurocentrado e global, ordenado por duas colunas estruturais, isto é, a colonialidade do poder e a modernidade. Assim, sob essa perspectiva ambos gênero e raça detém um significado: o de sujeição e dominação que por sua vez equivalem a opressão.

Contra o Racismo A experiência de violência vivida por Ananda reflete a intersecionalidade entre classe, raça, gênero e racialização do trabalho, já que Ananda foi demitida pelo restaurante onde trabalhava logo que este ficou sabendo do ocorrido. Tais categorias binárias pensadas enquanto fragmentárias, dicotômicas, hierárquicas, descorporeizadas e descontextualizadas ocultam o entrelaçamento multíplice entre todas elas mesmas. Ora, tal obscurecimento das subalternizações direcionadas e executadas rumo às mulheres não-brancas deve-se ao fato ideológico de que para cada invisibilidade não há, em correspondência, uma possível solução. Quer dizer, só há resoluções para o que deixa-se revelar, para o que faz-se visível, para o que se vê.

Desta maneira, a inseparabilidade, o entrosamento e a ligação entre as formas compostas de violência contra as mulheres de color evidenciam um ostracismo e segregação histórica, teórica e prática dessas mulheres. E quanto as mulheres brancas? Seriam submetidas a tais processos discriminatórios?

Dificilmente. Pelo simples fato de serem brancas. A cruz raça/gênero é um peso que uma mulher branca não carrega. É uma dor que uma mulher branca não sente. Ela sente dor sim. Contudo, um outro tipo distinto de dor. À vista disso, é translúcida a questão de que a opressão vivida por uma mulher branca é muito diferente da vivida por uma mulher não-branca.

Apesar desse terreno estéril e necrófilo das violências, há resistência. Há vislumbre de uma vida nova. Há um legado histórico de lutas. Há tradição de estratagemas de enfrentamentos. Aliás, segundo Sueli Carneiro, o feminismo negro tem como fundamento essa herança ancestral, a genética memorial, a intersecionalidade entre raça, gênero e classe além do combate contra a esteriotipação das gentes de color. Ele vem das experiências de vida dessas pessoas consideradas supérfluas (pelo mundo moderno colonial hegemônico branco ocidental burguês), mas que são, veementemente, uma das forças mais permanentes e remanescentes da existência.

Fanon alerta-nos para o perigo de nos perdermos labirinticamente na segregação que enquadra em uma particularidade. No mesmo tom, chama a nossa atenção para a diluição nos universalismos. Somos quem somos. Como somos. Com todas as sub, intra e intersubjetividades. Com todas as nossas variadas facetas. Com todas as nossas almas. Pensamentos e ações. Somos.

Como reconhecer esse “Somos”?

Para Fanon podemos nos reconhecer a nós mesmos com a restauração do mundo do Tu e a construção do mundo da Outra/do Outro. Que assim o seja!

E nesse revigorar de si própria(o) e da/do Outra/Outro Própria(o), existe o tempo-espaço da intersecionalidade política mencionada por Walsh. Onde há momento político, há movimentos teóricos. O exercício ativo de teorização tem em seu afloramento, em sua elevação, em sua emergência, reaparição e subida as lutas pelas transformações social, política e cultural: “(…) Los zapatistas, en cambio, hablan del “derrumbe” del mundo dominante y el “resurgimiento de nuestro”, el mundo desde abajo “muy otro” en sentido y razón. (WALSH, 2013, 24).

É desse óculo intersecional politizado que brotou o Ato “Somos Todas e Todos Ananda” no centro de Santa Bárbara d´Oeste pelo Movimento Negro de SBO, pela Associação Carolina Maria de Jesus, Unegro Americana, Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Sindicato dos Professores de Santa Bárbara ´d Oeste. Ato de repúdio. Ato de combate ao Racismo. Ato de dinamismo: “Quando a mulher negra se movimenta, ela movimenta toda a sociedade,” Angela Davis.

Então,

Que digamos NÃO ao mundo de morte da Outra/do Outro,
Que prevaleçamos na possibilidade fértil de generosidade,
Que incorporemos a razão decolonial (Maldonado),

Que possamos assumir uma postura de vida cuja ética, estética, espisteme e história sejam a sinapse, a holografia, a sinergia e a polissemia de uma narrativa de cuidado e de zelo com a Outra/o Outro, independentemente da sua cor de pele, da sua ascendência de classe, da sua sexualidade, ou de qualquer ontologia dual …,

Que instauremos a emancipação ao apolitismo ideológico. Comunalmente,

Que personifiquemos na ação, modos decoloniais e antirracistas de educar para a vida.

Que a Vida tenha muito mais valor do que a Morte.

 

Luciana Franco

Pedagoga. Coordenadora. Mestranda em Educação. Feminista Decolonial e antirracista. Escritora. Apresentadora no portal de notícias com tv web integrada.

 

Imagens: Divulgação

(Os comentários são de responsabilidade do autor, e não correspondem à opinião do SB24Horas)
Compartilhe essa notícia!