Uma história de ficção idealizada por Dennis Moraes
Era uma família grande. Daquelas que lotavam a mesa da avó aos domingos, com risadas, macarronada e piadas repetidas que nunca perdiam a graça. Mas isso foi antes. Antes do silêncio. Antes da política.
A matriarca já não estava mais entre eles. E com ela, parece que foi embora também o elo que mantinha tudo de pé. Depois que ela partiu, as festas acabaram. Os encontros rarearam. E no lugar dos abraços surgiram cochichos, olhares atravessados e uma divisão que, ainda que não se visse a olho nu, morava em cada esquina do sobrenome.
A política sempre rondou a família como um cão farejador atrás de um osso. Um deles — sorridente, ambicioso, bom de lábia — tentava há anos. Candidatava-se, perdia. Voltava a tentar. E perdia de novo. Era como se o destino fizesse questão de manter o poder longe de suas mãos. Por sorte.
Mas eis que, certo dia, outro nome da família resolveu entrar no jogo. Um jornalista. Não por vaidade. Não por prestígio. Mas por indignação. Por querer, quem sabe, mudar a rota torta das coisas. Sua candidatura causou uma comoção imediata. “Como assim ele vai concorrer? Vai dividir a família?” — diziam. Ninguém parecia entender que ética não se curva diante de sobrenomes.
A eleição passou. Ele não venceu. E com ela veio também a desistência. O jornalista — aquele que insistia em chamar as coisas pelo nome — percebeu que não havia espaço para integridade em um tabuleiro tão sujo. Deixou a política. Voltou à caneta, à pauta, à palavra.
Foi então que o outro venceu. Aquele que sempre tentou, finalmente teve seu dia de glória. E o que antes era apenas uma suspeita se transformou em realidade. Tudo aquilo que foi evitado por anos — enquanto ele perdia eleição após eleição — agora ganhava forma. E a frase ecoava, amarga, verdadeira: “Quer conhecer alguém? Dê poder a essa pessoa.”
O jornalista, agora ainda mais solitário em sua trincheira ética, virou alvo. Não do poder, mas da própria família. Os que antes brindavam ao seu lado, agora o acusavam. “Você destruiu a união.” “Você é contra seu próprio sangue.” Ninguém lembrava que foi ele quem, um dia, tentou evitar tudo isso.
Mas ele segue. Porque jornalismo, quando feito com verdade, tem o poder de sangrar mais que a lâmina do poder mal usado. E embora tenha perdido nas urnas, ganhou algo que nenhum mandato entrega: a paz de poder deitar a cabeça no travesseiro com a consciência limpa.
Essa história é fictícia. Mas como tantas no Brasil, tem cheiro de verdade. E talvez seja por isso que doa tanto.
Dennis Moraes é Comendador outorgado pela Câmara Brasileira de Cultura, Jornalista, Feirante e Diretor de Jornalismo do SB24Horas. Acesse: dennismoraes.com.br
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