28 de março de 2024

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Malformação fetal produz perda e complexo processo de luto

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Elaborar a morte de um filho que ainda não nasceu, está vivo, e se desenvolvendo, é um processo que causa grande sofrimento a gestantes que, com autorização da justiça, optam por interromper a gravidez em virtude de malformação fetal. A situação gera perdas e desencadeia um complexo processo de luto, como mostra estudo do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP.

Maioria das entrevistadas optou por conhecer e se despedir do filho
Os casos analisados envolviam malformação fetal, sem chances de sobrevivência, como a anencefalia e a agenesia renal bilateral. Os resultados mostraram que o diagnóstico fetal causou sofrimento a essas mães por gerar inúmeras perdas e desencadear “complexo processo de luto. Por isso, a importância de discutir e planejar abordagens e cuidados à saúde de gestantes nessa situação”, afirma Elenice Bertanha Consonni, em sua tese de doutorado orientada pela professora Eucia Beatriz Lopes Petean.
Para a pesquisa, Elenice realizou, em dois momentos diferentes, entrevistas com mulheres atendidas no Setor de Medicina Fetal do Hospital das Clínicas de Botucatu. Uma, durante a gestação, e outra, quarenta dias após a interrupção da gravidez. As avaliações mostraram forte vinculação materno-fetal antes e após o diagnóstico, ressaltando a opção das mulheres por interromper a gestação com o intuito de não se vincularem ainda mais ao filho.
“Nas situações vividas por esse grupo de mulheres, o diagnóstico pré-natal de malformação letal gera para elas uma vivência de luto antecipado muito particular: elaborar a morte anunciada do filho que ainda não nasceu e que está vivo e se desenvolvendo em seu ventre”, afirmou a pesquisadora.
Ao receberem a notícia, as mulheres passaram a buscar um sentido para a malformação do filho e muitas se sentiram culpadas pela condição. Os relatos também indicaram que as imagens do feto na ultrassonografia, especialmente nos casos de anomalia externa, causaram espanto e sofrimento. Porém, o contato das mães com imagens do ultrassom e da internet fez com que elas compreendessem melhor a gravidade da malformação.
Com a confirmação da impossibilidade do feto sobreviver após o nascimento, o casal, mais precisamente a mãe, deve tomar a decisão de interromper ou não a gestação. A idade gestacional em que a interrupção acontece varia bastante e depende, principalmente, da época em que foi feito o diagnóstico fetal, assim como do tempo para os trâmites burocráticos de solicitação de alvará (autorização) e decisão judicial.
Os relatos no puerpério evidenciaram vivências típicas de pessoas enlutadas, marcadas por sentimentos de tristeza, saudade e sensação de vazio pela perda do filho. Embora tristes, a maioria das mães considerou a opção de interromper a gravidez como a melhor, pois se lembravam do sofrimento vivido enquanto ainda estavam grávidas e imaginavam que teria sido ainda pior caso optassem por aguardar os nove meses.
Algumas mães preferiram conhecer e se despedir do bebê após o nascimento por considerarem importante esta lembrança. De acordo com Elenice, a maioria das mulheres entrevistadas optou por conhecer e se despedir do filho. Embora as emoções deste encontro tenham sido intensas e marcadas pelo sofrimento, conhecer o filho foi um momento de singular importância por representar a primeira e a última vez em que estariam em contato com ele.
Constitucionalidade
Segundo a pesquisadora, desde a década de 1990, juízes e promotores públicos em todo Brasil têm autorizado a interrupção de gestações de fetos com anomalias sem prognóstico, desde que esse seja o desejo da gestante. A partir de abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade da antecipação terapêutica do parto, mas apenas nos casos de gestação de feto anencéfalo.
No Setor de Medicina Fetal do Hospital das Clínicas de Botucatu, as gestantes encaminhadas com suspeita ou diagnóstico de malformação fetal são conduzidas, inicialmente, ao exame de ultrassom obstétrico morfológico e posteriormente à primeira consulta médica e psicológica no ambulatório de Medicina Fetal. Quando o diagnóstico de malformação fetal incompatível com a vida é confirmado, a equipe médica apresenta a possibilidade de interrupção da gestação sob autorização judicial, assim como a de acompanhamento pré-natal especializado até o desfecho natural da gravidez.
“O atendimento psicológico busca identificar, no discurso da gestante, seu entendimento sobre todas as informações recebidas até então, conhecer expectativas e possíveis fantasias a respeito do diagnóstico, prognóstico e condutas médicas, além de avaliar as condições sociais e familiares que interferem no processo de compreensão do diagnóstico e da tomada de decisão. É também oportunidade que favorece a expressão e compreensão dos sentimentos ligados à situação vivida, possibilitando escolhas mais conscientes e facilitando o processo de luto”, explica Elenice.
Foto: Marcos Santos / USP Imagens

 

Agência USP de Notícias

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