18 de abril de 2024

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Mães recorrem à Justiça para manter tratamento de filhos com transtorno do desenvolvimento

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Para reduzir custos, Planos de Saúde obrigam crianças a abandonarem tratamento em clínicas especializadas para serem assistidas em clínicas que realizam tratamento com baixa qualidade

Elisa, 7 anos, é autista. Foi diagnosticada aos 4. A mãe Sueli Sipriano, atendente de telemarketing, batalhou, passou por inúmeras intervenções com a filha e não obteve sucesso. Foi quando a mãe teve o conhecimento do tratamento especializado para crianças autistas, chamado ABA (Análise do Comportamento Aplicada), único comprovado cientificamente e indicado pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Mas o Plano de Saúde de Elisa se negou a pagar pelo tratamento. Diante de tal negativa, a mãe Sueli entrou com uma liminar e conseguiu a ordem judicial para que o Plano custeasse o tratamento. Mas o Plano não indicou um local especializado, e a mãe foi em busca de uma clínica apta para o tratamento da filha. Elisa deu início ao tratamento há mais de 6 meses, com atendimento personalizado, através de um programa filantrópico, e já havia tido melhoras significativas na comunicação e linguagem. Foi quando a mãe recebeu a notícia que o Plano de Saúde a obrigava trocar a filha de clínica para dar continuidade ao tratamento:

“Fiquei muito aborrecida e angustiada quando eles não queriam dar a condição de cobrir o tratamento da Elisa na clínica onde ela já tratava. Eu dizia que não queria trocar de local, mas o Plano insistia em mudar de clínica, o que deixava eu e minha filha arrasadas. Eu chorava de tristeza e pavor e achava que não iria conseguir”, comenta Sueli.

O que a mãe não sabia e logo descobriu, foi que o motivo para o Plano de Saúde indicar outra clínica, era porque esta oferecia preços mais baratos para as terapias e atendimento por estagiários, evidenciando apenas a preocupação em redução de custos pela operadora, e não a qualidade do tratamento:

“O que mais me preocupava nesta questão de quererem trocar a Elisa de clínica, era que ela já estava acostumada com o tratamento, estava indo super bem, já estava adaptada e se desenvolvendo a cada dia. Os Planos de Saúde não olham para as crianças, só querem saber deles, não querem saber do nosso direito, e que minha filha tem necessidade especial. Isso porque pagamos Plano de Saúde e eles nem olham para a necessidade do cliente, apenas visam o lucro deles e não o benefício do tratamento”, desabafa Sueli.

Sueli ainda conta que na outra clínica, indicada pelo Plano de Saúde, a filha não teria disponível o número de horas indicadas pelo seu médico e necessárias para a terapia, sem contar que já confiava nos profissionais qualificados da clínica onde Elisa tratava:

 “O duro e triste é que os Planos de Saúde que fazem isso falam que oferecem o tratamento que precisamos pra nossos filhos, mas quando vamos tratar não é bem isso que encontramos. É meia hora de terapia, o profissional atende até em 20 minutos, uma criança atrás da outra. Não chega resultado nenhum assim! Onde já se viu? Uma vez por semana não serve pra nada. O tempo só vai passando, a angústia aumentando, e a criança não se desenvolve como deveria. Na clínica ideal, onde eu já tratava com a Elisa, eram 2 horas de terapia, o que fazia grande diferença no resultado e evolução do quadro de autismo dela. Cada criança é diferente e isso tem que ser trabalhado de maneira individual”, falou a mãe.

Os pais de Elisa batalharam na Justiça para conseguir o melhor tratamento para a filha

A mãe se indignou com a situação e foi atrás de uma solução na Justiça:

“Graças a Deus encontrei uma advogada que trabalhou e olhou para a necessidade da minha filha, e a juíza entendeu que ela deveria dar continuidade ao tratamento na mesma clínica em que já havia iniciado o tratamento através do programa filantrópico. Foram meses de luta e hoje estou muito feliz, porque consegui manter o tratamento da Elisa na clínica onde ela já estava. Mas passei por uma tristeza muito grande, não foi fácil. Nossos filhos não são números, e sim seres humanos. Quero ser exemplo de luta pra ajudar outras mães a terem acesso à informação e a não passarem por isso”, finaliza Sueli.

O caso Victor – ainda sem solução

O mesmo aconteceu com Victor. Ele tem 10 anos e foi diagnosticado com Microcefalia e TDAH – Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade, além de atrasos motores e de linguagem. Há cerca de 6 meses recebe tratamento individualizado em clínica especializada em ABA.

“Para conseguir o encaminhamento por escrito para o tratamento em ABA fui abrigada a ir em busca de um médico particular. Isso porque os médicos do Plano de Saúde estão sofrendo coerção dos Planos para não indicarem o tratamento por escrito, ainda que façam isso verbalmente e nos incentivem pela busca.Os médicos dizem que estão sendo proibidos de indicar tratamentos que estão fora da rede credenciada,além de correrem o risco de serem descredenciados. E isso é ilegal. Achei um absurdo. O médico precisa ter a liberdade para indicar o tratamento adequado, o que ele pensa ser ideal para o meu filho. Tive que gastar com médico particular para conseguir o encaminhamento. E sei de inúmeras mães que passam por isso,” comentou a mãe Larissa Fernanda, assistente de laboratório.

Após a mãe entrar com liminar na Justiça contra o Plano de Saúde, exigindo a cobertura dos custos, o juiz concedeu a liminar, e Victor teve direito ao tratamento. Mas para a surpresa da mãe, o Plano de Saúde obrigou a família a buscar outra clínica para dar continuidade ao tratamento. Essa exigência deixou Larissa muito angustiada. Ela agora está às pressas para a busca de uma solução:

“Quando entrei com a liminar contra o Plano de Saúde estava esperançosa que assim que saísse iria poder dar continuidade ao tratamento do meu filho. A surpresa é que o Plano não aceitou manter meu filho na mesma clínica. Muitos pais aceitariam isso, por não saberem do direito deles. Fui indicada para uma clínica que eu não tinha boas referências, que lá eles trabalham com estagiários para oferecer terapia às crianças com duração entre 8 a 10 horas por semana, enquanto meu médico prescreveu entre 30 a 40 horas por semana. Assim, descobri que é por isso que o Plano obriga as famílias a realizarem o tratamento ABA nessas clínicas, porque tudo é mais barato, porém com baixa quantidade e qualidade. E o que me espantou ainda mais foi a postura da clínica, que em momento nenhum respeitou a minha decisão de continuar o tratamento do meu filho na clínica atual, bem como o vínculo que ele já tinha com a terapeuta, demonstrando nenhuma empatia pela nossa situação, e me ofereceu apenas 8 horas de atendimento, dizendo que isso era o necessário, contrariando a prescrição médica.

Nós não procuramos por luxo, procuramos um tratamento coerente e sério, horas de terapia necessárias. Não quero ser obrigada a prejudicar o tratamento dele, jamais. Eu não aceito isso, me sinto injustiçada, humilhada. Eu pago certinho o Plano, é o direto que temos, que meu filho tem e todas as crianças também! Estou correndo atrás e vou conseguir!”, desabafa Larissa emocionada.

A mãe Larissa e Victor na premiação da competição de natação

O que diz a Lei

De acordo com o Artigo 7º do Código de Ética Profissional do Psicólogo, nenhum profissional psicólogo poderá intervir na prestação de serviços psicológicos que estejam sendo efetuados por outro profissional, apenas em situações específicas, como em casos de pedido do profissional responsável pelo serviço; caso de emergência ou risco ao beneficiário ou usuário do serviço, quando dará imediata ciência ao profissional; quando informado expressamente, por qualquer uma das partes, da interrupção voluntária e definitiva do serviço; quando se tratar de trabalho multiprofissional e a intervenção fizer parte da metodologia adotada.

A advogada Débora Lubke, que atua na área da saúde, explica que caso essas situações não ocorram, o paciente tem o direito de dar continuidade ao tratamento que já iniciou:

“O CRP (Conselho Regional de Psicologia) deixa claro que o paciente em atendimento não pode ser atendido por outro profissional. Um psicólogo não pode interferir no tratamento do outro. Há necessidade de vínculo de confiança entre o paciente e psicólogo, e quando isso se estabelece, não pode o Plano de Saúde obrigar a ser de outra forma. É uma questão ética. É direito do paciente”,comenta a advogada.

A Lei que rege os Planos de Saúde também assegura o paciente o direito ao reembolso, em caso de tratamentos que não constam na rede credenciada do Plano.

“É um entendimento pacificado nos tribunais. O paciente tem direito ao tratamento, mesmo que não seja oferecido na rede credenciada do Plano. É importante salientar que o Plano responde solidariamente pelo atendimento quando contrata uma clínica particular, pois está terceirizando o serviço. Desta maneira, deve adotar os critérios mínimos nessas contratações, e não obrigar a família a tratar o filho onde os profissionais que atendem as crianças não possuem formação básica, especialização e experiência na área, apenas por conta do menor custo cobrado. Muitas vezes percebemos que alguns Planos têm essa postura como uma forma de tentar fazer com que a família desista da ação judicial e até mesmo do tratamento. Diariamente temos que demonstrar para o juiz que se algumas clínicas indicadas pelo Plano de Saúde não possuem condições mínimas de oferecer determinados tratamentos, e que se a família não sentiu segurança nos profissionais da clínica indicada, o Plano deve trocar. Se há vínculo terapêutico entre paciente e profissional, deve ser respeitado. Isso porque a confiança é requisito mínimo para um tratamento psicológico. Os pais que devem escolher, e não deixar o filho correr o risco de não ter o desenvolvimento adequado. E caso uma criança seja obrigada a realizar o tratamento em uma clínica ou com um profissional que não desenvolva o trabalho adequado, a família poderá (quando comprovada a situação), entrar com uma ação de danos morais contra o Plano de Saúdesalienta a advogada.

Os médicos alertam para casos de interrupção de tratamento

Psiquiatras da infância e adolescência alertam que a interrupção abrupta do tratamento pode causar sérias consequências na vida da criança. E que essa mudança repentina é muito séria e nada benéfica para a evolução do tratamento:

“Um elemento extremamente importante na terapia é o vínculo da criança e da família com o terapeuta. Qualquer coisa que interfira nesse vínculo é muito complicado. Uma mudança abrupta de clínica pode fazer com que a criança regrida habilidades que já tinha alcançado. E isso é muito sério. O processo de mudança, se existisse e fosse realmente necessário, deveria ser menos traumático, uma readaptação organizada. Sempre pautado no bem-estar da criança e evolução do tratamento. Essa mudança nunca deveria ser feita pensando apenas na questão financeira, comenta a psiquiatra da infância e da adolescência, Mirian de Cesaro Revers Biasão.

É necessário que os pais fiquem atentos no momento de escolha do profissional e da clínica adequada para o tratamento dos filhos. É importante que se tenha a certeza da qualificação, experiência, certificação e que pesquisem sobre a especialização e supervisão dos terapeutas.

“Além de todos esses critérios muito importantes, os pais devem observar também como a criança reage à terapia, se gosta de ir, se na maioria das sessões ela tem prazer em fazer a terapia, como é o vínculo da criança e se ela se sente confortável na presença do terapeuta. Sem isso, não funciona. A resposta da criança à terapia depende desse conforto e cooperação durante o todo o processo terapêutico”, finaliza a psiquiatra.

Tendo ciência de todo esse processo e cuidado, a evolução no tratamento da criança pode ser realmente vista de maneira eficaz nos resultados apresentados.

 “Mães não tenham medo e corram atrás do direito dos seus filhos, entrem na justiça para o futuro e qualidade de vida deles. Somos cidadãos e temos esse direito!”, finaliza a mãe Larissa.

Advogado comenta sobre casos de coerção à classe médica

Muitos consumidores de Planos de Saúde têm relatado que os médicos que são vinculados aos Planos têm se negado a indicar o tratamento adequado ao paciente, por terem sido ameaçados pelo próprio Plano de serem descredenciados, caso assim o fizessem. O advogado Idalvo Camargo de Matos Filho, que atua na defesa profissional médica, comenta que essa situação não pode ocorrer e que o médico não pode deixar de aplicar seus princípios ao seu ministério:

“O bom profissional tem como objetivo tratar a moléstia do paciente e, para isso, não pode sofrer pressão de qualquer pessoa, muito menos dos Planos de Saúde. O médico possui liberdade para diagnosticar, segundo seu conhecimento científico, e indicar o tratamento que acha correto e eficaz para o paciente. No caso da terapia ABA, temos conhecimento de sua eficácia para tratamento de Transtorno do Espectro do Autismo e, se este for o indicado, o médico não deve se abster. O médico que se sentir obrigado a não indicar qualquer terapia pelas operadoras de Plano de Saúde pode procurar o Conselho Regional que está filiado, ou, no caso de descredenciamento, ou outro prejuízo que possa sofrer, pode procurar o Judiciário para solucionar essa pendência.”

 

(Os comentários são de responsabilidade do autor, e não correspondem à opinião do SB24Horas)
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