23 de abril de 2024

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Jorge Lemann, o número um

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O homem mais rico do Brasil foi tenista, surfista, faliu e se recuperou. De seus altos e baixos, aprendeu que o essencial é conquistar os maiores talentos – e recompensá-los à altura

FRASISTA O empresário Jorge Paulo Lemann. “Não quero ser como esses caras que tocam o Citibank. Prefiro ter mais tempo, mais senso de humor  e ser mais rico” (Foto: Andre Dusek/Estadão Conteúdo)

Em 1998, o carioca Jorge Paulo Lemann travou um diálogo com o megainvestidor americano Warren Buffett que se mostraria premonitório. Na época, ambos integravam o conselho de administração da Gillette e participavam de um jantar oferecido pela empresa, nos Estados Unidos. Lemann, então principal acionista do Garantia, banco que fundara em 1971, negociava sua venda. Entre um prato e outro, Buffett abordou o assunto com o colega:

– Soube que você está vendendo o banco. Por quê?
– Ser independente no Brasil é complicado, e quero fazer outras coisas – respondeu Lemann.
– E você está satisfeito com a venda? – insistiu Buffett.
– Estou. Acho que dá para fazer coisas maiores. Não quero ser como esses caras que tocam o Citibank, por exemplo. Prefiro ser como você, que tem mais senso de humor, mais tempo e é muito mais rico – respondeu Lemann.

Buffett então soltou uma de suas gargalhadas e disse que mostraria a Lemann como era rico. Começou a vasculhar os bolsos do paletó à procura de algo que Lemann imaginou ser uma carteira recheada de dólares. Puxou uma pequena agenda de papel e a folheou. Lemann viu uma série de páginas em branco, pontuadas por compromissos esparsos. “Sou realmente muito rico: tenho todo o tempo do mundo, faço o que gosto e só faço com amigos”, disse Buffett.
Nos últimos 15 anos, Lemann imitou como ninguém a filosofia de Warren Buffett. Depois de vender o mítico Garantia – abalado por uma crise interna e por turbulências no mercado financeiro internacional – ao Credit Suisse por US$ 675 milhões, ele se voltou para outros negócios. Por meio de uma série de aquisições transformou a decadente Brahma na AB InBev, fabricante da cerveja Budweiser e maior cervejaria do planeta, com faturamento de US$ 39,8 bilhões em 2012. O fundo 3G, do qual é um dos principais acionistas, comprou a rede de fast-food Burger King em 2010, por quase US$ 4 bilhões. Em fevereiro, numa tacada ainda mais ambiciosa, o 3G arrematou a fabricante de alimentos americana Heinz por US$ 28 bilhões – um negócio feito em parceria com a Berkshire Hathaway, a lendária firma de investimentos de Buffett. De quebra, Lemann controla a rede Lojas Americanas, dona da B2W e uma das maiores varejistas do Brasil. “Jorge e seus sócios são empresários com um pensamento global, são gente que moderniza”, afirma o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que se tornou amigo de Lemann depois de deixar o cargo.
A multiplicação de aquisições tornou Lemann o homem mais rico do Brasil, com uma fortuna estimada em US$ 17,8 bilhões pela revista Forbes. Em nenhuma dessas empreitadas, porém, ele esteve sozinho. A seu lado estavam os também cariocas Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira, seus sócios há quase quatro décadas – Telles é hoje o sexto brasileiro mais rico, com US$ 9,1 bilhões, e Sicupira o décimo, com uma fortuna de US$ 7,9 bilhões. Os dois são o melhor retrato da cartilha pregada por Lemann. Ambos, oriundos da classe média, começaram por baixo no Garantia, trouxeram resultados espetaculares para a firma e enriqueceram com quem os contratou. Telles foi recrutado em 1972 como liquidante, uma espécie de boy de luxo. Ascendeu até se tornar sócio e responsável pela mesa de operações, o centro nervoso do banco. Em 1989, quando o Garantia comprou a Brahma, coube a ele assumir a gestão da companhia. Sicupira chegou ao Garantia em 1973. Oito anos depois, quando o banco comprou as Lojas Americanas, foi comandar a varejista. Uma pessoa que conhece o trio há quase 20 anos descreve o papel de cada um na sociedade: “O Jorge enxerga tudo com uma simplicidade assustadora e um tremendo bom-senso. O Marcel é o cara que consegue operar e fazer um grande negócio funcionar. E o Beto tem o jeitão desbravador, de meter a cara. Uma pessoa só não tem isso tudo junto. Essa é a grande força deles”.

 

Surfe, tênis e aulas
No livro Outliers (lançado no Brasil com o título Fora de série), o jornalista americano Malcolm Gladwell afirma que o lugar e a época em que alguém nasce são fundamentais para estimular seu sucesso. “Ninguém surge do nada”, diz Gladwell. “A cultura a que pertencemos e os legados transmitidos por nossos ancestrais moldam os padrões de nossas realizações de formas inimagináveis.” Filho de um suíço com uma baiana de ascendência também suíça, Lemann nasceu no Rio de Janeiro, em 1939. Foi criado sob a influência da ética protestante dos pais, que valorizavam a disciplina, o trabalho árduo e o estudo de primeira linha. Até se formar no que hoje seria o equivalente ao ensino médio, estudou na Escola Americana, onde aprendeu a falar e a escrever em inglês fluentemente. Sua infância foi financeiramente tranquila – sua família era dona da fabricante de laticínios Leco (Lemann & Company) e morava numa casa confortável no bairro do Leblon. Aos 7 anos, Lemann começou a jogar tênis. Foi nas quadras do Country Club que seu espírito competitivo despontou mais claramente. Não entrava nos jogos apenas para participar – queria ganhar. “Ele sempre foi um excelente jogador e desenvolveu um estilo para vencer seus adversários”, afirma o carioca Dick Thompson, que conheceu Lemann na Escola Americana e se tornou um dos primeiros sócios do banco Garantia. “Nunca foi muito agressivo, mas tocava a bola do fundo da quadra até que o oponente ficasse exausto.” Era uma combinação de frieza, concentração e persistência que Lemann levaria também para o mundo dos negócios.

UNIVERSIDADE AMERICANA Carlos Britto, presidente da AB InBev. Recém-formado, ele se apresentou a Lemann pedindo um curso de pós-graduação nos Estados Unidos. Ganhou  o curso e depois fez uma carreira espetacular dentro da empresa (Foto: Mark Lennihan/AP)

Ainda no colégio, Lemann teve de lidar com um grande baque: a morte do pai, atropelado por um bonde no bairro de Botafogo. Subitamente, sua família foi reduzida apenas à mãe, Anna Yvette, e à irmã, Lya, dez anos mais velha (ela já morreu), de quem nunca foi próximo. “Jorge tinha apenas 14 anos e teve de se virar muito sozinho”, afirma o primo Alex Haegler. “Ficou muito autossuficiente e mais ativo nos esportes.” Nessa época, Lemann dividia seu tempo entre o colégio, as aulas de tênis nas quadras do Country e a prática de surfe nas praias da Zona Sul do Rio.

Assim que se formou na Escola Americana, Lemann foi estudar economia em Harvard. Naquela época, encontrar um brasileiro por lá era raridade. Lemann não ficou particularmente interessado no que viu. Sentiu falta do Brasil, dos amigos, da praia. Era um aluno medíocre e quase foi expulso da universidade ao ser apanhado soltando fogos de artifício na praça central de Harvard. Depois do susto, resolveu tomar jeito e terminar logo o curso. Descobriu que todas as provas aplicadas pelos professores ficavam arquivadas na biblioteca e que os testes não mudavam tanto assim de um ano para outro. Bastava, portanto, estudar as provas do passado para se dar bem no presente. Foi em grande medida graças a essa dose de esperteza que Lemann concluiu a graduação em apenas três anos.

Lemann detesta aparecer
em público, se veste
informalmente e só usa
gravata em ocasiões especiais

Mais de uma década se passou entre a formatura de Lemann em Harvard e a fundação do Garantia. Nesse período, ele trabalhou na financeira carioca Deltec, conseguiu um estágio no Credit Suisse em Genebra (detestou trabalhar numa instituição grande e hierarquizada) e até arriscou a vida como jogador profissional de tênis. Por causa da origem do pai, tinha dupla cidadania e representou a Suíça na Copa Davis. Chegou até mesmo a participar de torneios célebres no circuito mundial, como Wimbledon e Roland Garros. Era um bom jogador, mas logo percebeu que nunca estaria entre os dez melhores. Decidiu que o melhor seria encarar o esporte apenas como hobby e voltar a trabalhar no mercado financeiro. Lemann até hoje pratica tênis quase diariamente. Ainda participa de campeonatos. Em setembro de 2012, venceu o Paulistano Open, na categoria sênior. Costuma emprestar a quadra da casa que mantém em São Paulo para outros entusiastas do esporte – nos últimos meses, até o ex-jogador de futebol Ronaldo bateu bola por lá.

Ao retornar ao Brasil, Lemann foi contratado pela pequena Invesco, onde criou uma espécie de Bolsa paralela de ações, com papéis vendidos por telefone, fora do horário do pregão. Foi ali que Lemann se tornou, pela primeira vez, dono de um negócio – graças a seu desempenho, conseguiu uma participação de 2% na empresa. Ele estava tão animado com o crescimento que não percebeu os problemas se acumulando nos bastidores. A Invesco descuidou da administração e, principalmente, dos critérios para concessão de crédito. Não demorou muito para que o rombo aparecesse – e a empresa faliu. Para Lemann, ficou uma lição importante: em qualquer atividade, é preciso tomar tanto cuidado com o dinheiro que entra quanto com o que sai.

Em 1971, ele comprou, ao lado de alguns sócios, a carta patente da corretora Garantia. Lemann tinha então pouco mais de 30 anos de idade. Era um tipo raro no então embrionário mercado de capitais brasileiro. Formado em Harvard, falava inglês, tinha no currículo um estágio em banco estrangeiro, acreditava em meritocracia e que sociedades bem geridas poderiam dar mais resultado que iniciativas individuais. O modelo que lhe serviu de inspiração para a formação do Garantia não vinha do Brasil, mas de um banco americano. “A partir de 1973, desenvolvemos uma relação muito próxima com o Goldman Sachs”, diz Lemann. “Todo dia falávamos com alguém de lá, estávamos sempre visitando, vimos de perto como funcionava a firma e o esquema de treinamento deles.” Na década seguinte, outra empresa americana inspirou Lemann, o Walmart. Novamente, ele e seus sócios foram aprender in loco como operava a companhia – repetiram aqui tudo o que parecia fazer sentido.

a mensagem 779 jorge (Foto: reprodução/Revista ÉPOCA)

O Garantia se transformou no mais eficiente e invejado banco de investimentos do Brasil. Em 1994, alcançou um lucro recorde de US$ 1 bilhão. Naquele ano, Lemann teve um sério problema de coração e ficou de molho por vários meses. Com tanto dinheiro no bolso, não demorou para que o pessoal deixasse de lado valores antes pregados por ele, como a austeridade. Carros importados começaram a aparecer no estacionamento do banco. Casas de veraneio espetaculares eram compradas no litoral de São Paulo e do Rio de Janeiro, por uma nova safra de milionários formada no Garantia. Os anos que se seguiram também foram de bonança. O pessoal do Garantia, habitualmente considerado arrogante pelos concorrentes, passou a se comportar como se fosse de fato invencível. As operações ficavam cada vez mais complexas e alavancadas. Os pilares da cultura do banco iam progressivamente ruindo. Entrava tanto dinheiro que os sócios, à distância, deixaram o barco correr.

Em 1997, a crise da Ásia pegou o Garantia em cheio – e a turbulência financeira deixou claro que o modelo original do banco fora subvertido. As perdas admitidas pelo Garantia na época foram de US$ 110 milhões (segundo executivos do setor, o valor total foi quase o quíntuplo). Os sócios tiveram de colocar dinheiro do próprio bolso para capitalizar o Garantia e mostrar aos investidores que o problema estava controlado. Não adiantou. Ainda que, no final daquele ano, o Garantia registrasse um pequeno lucro, sua imagem estava destruída. A única saída encontrada por Lemann, Telles e Sicupira foi vender o banco – uma ironia para quem pregava a importância da perpetuação do negócio. Ficou a lição: nunca mais Lemann e seus sócios descuidaram da preservação da cultura nas empresas em que investiram.

Jornadas longas, ganhos extraordinários
A receita de gestão forjada por Lemann no Garantia, que praticamente se manteve inalterada ao longo do tempo, é baseada em simplicidade, meritocracia e obsessão por corte de custos. Quem trabalha como ele sabe que as jornadas serão longas, a cobrança será permanente, mas os ganhos podem ser extraordinários. Nas empresas que Lemann controla, não há espaço para formalidades, hierarquia rígida ou regalias corporativas. Escritórios particulares? Carros com motorista? Restaurantes executivos? Nada disso faz parte da cultura criada por Lemann. Em compensação, os bônus daqueles que alcançam suas metas podem chegar a quase 20 salários extras por ano – e os melhores funcionários podem se tornar sócios da companhia em que trabalham. Quem não aguenta a pressão inevitavelmente acaba fora do jogo. Como diz Buffett, “eles nunca são complacentes”.

Assim como Buffett, nos últimos anos Lemann conseguiu se dedicar apenas aos negócios que queria e sempre ao lado das pessoas que escolheu. Falta, porém, seguir uma das lições do investidor americano. “A Susanna, minha mulher, diz que só não aprendi ainda a ter a agenda vazia”, diz ele. Aos 73 anos de idade, Lemann tem uma rotina acelerada. Desde uma tentativa frustrada de sequestro de dois de seus filhos em São Paulo, em 1999, sua residência oficial fica na Suíça, mas ele passa a maior parte do tempo em viagens internacionais. Embora não exerça função executiva em nenhuma das empresas em que investe – em algumas delas apenas ocupa assento no conselho de administração –, acompanha de perto as operações. Depois da aquisição do Burger King, Lemann e Sicupira chegaram a participar de uma degustação de sanduíches. Detalhe: no cardápio dos dois, habitualmente só entram comidas saudáveis. “Muita gente brinca que o Jorge comprou cervejaria e não bebe cerveja, comprou o Burger King e não come fast-food, e a próxima coisa que deve comprar é um fabricante de cigarros, já que não fuma”, diz o primo Haegler.

SUCESSO E CRISE Roger Wright, Claudio Haddad, José Olympio da Veiga Pereira, Lemann, Fernando Prado e Andrew Shores. Eles formavam o time do banco Garantia em 1996. O banco vivia o auge do sucesso. No ano seguinte,  a crise da Ásia expôs suas fragilidades (Foto: Paulo Fridman)

Uma pesquisa recente da consultoria Booz & Company mostra que o tempo de permanência médio de um CEO no comando de uma companhia brasileira é de dois anos e meio. Nas empresas em que investem, Lemann, Telles e Sicupira apostam numa política oposta. Para tocar essas companhias, contam com um time selecionado e treinado ao longo de décadas. Gente como Carlos Britto, principal executivo da AB InBev, ou Alexandre Behring, o homem que comanda o fundo 3G. Cercar-se de profissionais talentosos talvez seja a maior virtude de Lemann. “O que fiz de mais certo até hoje foi atrair gente boa, motivar esse pessoal e incentivá-los durante muito tempo. E também nunca briguei com ninguém nas minhas sociedades. Prefiro evitar conflito”, diz Lemann. Seu perfil favorito de profissional é o sujeito jovem, com “sangue nos olhos” e vontade de crescer. No Garantia, esse pessoal ficou conhecido pela sigla PSD – “Poor, Smart, Deep Desire to get rich” (em português, pobre, esperto, com grande desejo de enriquecer). Trata-se, basicamente, da mesma receita que o banqueiro André Esteves usa para recrutar gente para o BTG Pactual, atualmente o maior banco de investimentos do Brasil. Na versão moderna de Esteves, o pessoal é chamado de Ph.D. – “Poor, Hungry and Desperate to get rich” (pobre, esfomeado e desesperado para ficar rico).

Lemann conheceu Carlos Britto nos anos 1980, quando o jovem foi lhe pedir uma bolsa de estudos para um MBA na Universidade Stanford. Quando retornou da temporada americana, Britto foi direto para o Garantia. De lá, seguiu para a Brahma, comprada pelo Garantia em 1989, e de onde nunca mais se afastou. Passou por diversas áreas da empresa e, em alguns casos, assumiu cargos para os quais não se sentia preparado. Foi o que aconteceu quando Marcel Telles lhe disse que seria transferido da administração para a fábrica da cervejaria em Agudos, no interior de São Paulo, nos anos 1990. Britto argumentou que nada entendia de produção. Telles não se abalou. “Eu também não entendo nada disso”, disse a Britto. “Vai lá e se cerca de gente boa que vai dar certo.”

Depois disso, Britto participou de todos os grandes movimentos da cervejaria: a compra da Antarctica, em 1999 (para formar a Ambev), a negociação com a belga Interbrew, em 2004 (que deu origem à InBev), e a aquisição da americana Anheuser Busch, em 2008, que transformou os brasileiros nos controladores da maior cervejaria do mundo. Com a crise financeira que começou em setembro daquele ano, Britto se tornou o comandante de uma empresa endividada, que precisava desesperadamente reduzir custos. Para estimular Britto e outros 39 executivos da AB InBev a acelerar os cortes, Lemann e seus sócios ofereceram uma bolada de 28 milhões de opções de ações – equivalentes na época a US$ 1 bilhão –, caso a dívida fosse reduzida à metade até 2013. A meta foi batida em 2011. Como convém à filosofia dos empresários brasileiros, a remuneração extra será paga em parcelas até 2019 – uma maneira de reter o pessoal na companhia e estimulá-los a continuar trabalhando duro.

ÁLBUM DE FAMÍLIA 1. Jorge Paulo Lemann na infância, no pátio da Escola Americana, no Rio de Janeiro  2. De terno na adolescência 3. Em partida de simples contra Celso Saccomandi, na final da Copa Natu Nobilis de Tênis, em 1979 – Lemann foi o campeão  4. C (Foto: reprodução/Revista ÉPOCA)

Behring foi apresentado a Telles e Sicupira na década de 1990, enquanto cursava um MBA em Harvard – os dois sócios de Lemann faziam um curso na universidade e aproveitaram para entrevistar informalmente outros alunos brasileiros. Também ficou empolgado com o que ouviu e aceitou trabalhar na GP Investimentos, empresa de participações fundada pelo trio de empresários em 1993. Tornou-se presidente da ALL – América Latina Logística – pouco tempo depois, quando a GP arrematou a malha sul da Rede Ferroviária Federal. Só saiu de lá no final de 2004, para montar a 3G Investimentos, em Nova York, da qual também é sócio. Em 2010, coube a ele coordenar a compra do Burger King.

Na primeira semana de dezembro de 2012, Behring deu seu passo mais ambicioso: sugeriu a Lemann a compra da fabricante de condimentos Heinz. Com presença global, marca forte e faturamento anual de quase US$ 12 bilhões, ela parecia um bom alvo para dar continuidade à estratégia de construção de um império no setor de alimentos e bebidas. Já fazia algum tempo que Behring estava de olho na companhia. Em 2009, quando um dos filhos de Lemann, Marc, foi fazer um rápido estágio na 3G durante as férias de verão, Behring o orientou a analisar detalhadamente o desempenho da Heinz. Marc, à época com 17 anos, gostou do que descobriu. Na sua avaliação, as ações da companhia, cotadas a cerca de US$ 40, estavam baratas. Ele recomendou a compra dos papéis. Apesar disso, na ocasião, a 3G preferiu comprar pequenas participações em outras companhias do setor.

Três anos depois, Behring achava que era hora não apenas de comprar algumas ações da Heinz, mas de arrematar a empresa toda. Sugeriu a Lemann que o sócio na empreitada fosse Buffett. Lemann adorou a ideia. No dia 9 de dezembro, durante um voo de Boulder, no Colorado, para Omaha, sede da Berkshire Hathaway, apresentou o plano ao investidor americano. Buffett, que admirava o resultado das mudanças que os brasileiros vinham imprimindo à AB InBev, topou na hora. “Não sei quanto o Jorge Paulo colocou dele nas pessoas que estão a seu redor ou quanto se deve a sua capacidade de atrair pessoas como ele, mas ele formou um grupo formidável”, afirma Buffett. “Quando você tem três ou quatro pessoas com muito talento, a mesma ideia de como conduzir um negócio, senso de urgência e a noção de que há sempre mais a fazer, a fórmula se torna imbatível.” O passo seguinte foi marcar um jantar com William Johnson, presidente do conselho e CEO da Heinz. Participaram do encontro, na segunda quinzena daquele mês, num restaurante da Flórida, apenas Lemann, Behring e o próprio Johnson. Depois disso, como é de seu feitio, Lemann deixou que Behring assumisse o controle e não se envolveu mais diretamente na negociação, até que ela fosse concluída.

NO BARCO Marcel Telles, Beto Sicupira e Jorge Paulo Lemann durante  uma pescaria. O temperamento dos três se complementa nos negócios e no esporte  (Foto: Arq. pessoal)

As últimas vezes em que Lemann se sentou à mesa para conduzir grandes negociações foram em 1989, quando o Garantia comprou a Brahma (ele era próximo de Hubert Gregg, presidente da cervejaria e membro de uma das três famílias controladoras), e na venda do Garantia ao CSFB, em 1998. Depois disso, nas grandes transações que se seguiram, ele contou principalmente com a habilidade de Roberto Thompson, outro profissional fisgado pelo discurso da meritocracia que acompanha Lemann, Telles e Sicupira. Conhecido pelas pessoas próximas aos empresários como “o banqueiro dos ex-banqueiros”, Thompson, que trabalha com o trio há mais de 25 anos, foi quem conduziu as negociações para a compra da Antarctica, a venda da Ambev à Interbrew e, finalmente, a compra da Anheuser Busch. Educado, frio e pragmático, é hoje sócio de Lemann, Telles e Sicupira na 3G e detém uma participação acionária também na AB InBev.

Disciplina e competição
A escalada de sua fortuna deu a Lemann uma projeção global, mas, em muitos aspectos, ele ainda se parece com o jovem que fundou o banco Garantia 41 anos atrás. Ainda se veste com roupas simples – terno e gravata só em ocasiões especiais. Detesta aparecer em público. Ao se despedir de qualquer pessoa que o visite em seu escritório, costuma acompanhá-la até o elevador. Responde a todos os e-mails que recebe (segundo um de seus amigos, é uma espécie de campeão de velocidade no uso do BlackBerry). Suas viagens de férias raramente incluem destinos tradicionais, como Nova York ou Paris. Ele prefere destinos menos turísticos, sobretudo que possam ser combinados a passeios de bicicleta ou longas caminhadas.

Uma das preocupações de Lemann e seus sócios em relação ao futuro é como será o comportamento de seus herdeiros. Lemann casou-se duas vezes e, com cada uma das mulheres, teve três filhos. Sicupira tem três filhas, e Telles dois rapazes. Segundo as regras estabelecidas pelo trio, nenhum familiar pode trabalhar em suas empresas – é permitido, no máximo, que eles tenham um contato rápido. Foi o que aconteceu no estágio de Marc Lemann na 3G ou na participação de Heloísa, filha de Sicupira, num programa de trainees da Ambev. Todos os herdeiros são treinados para assumir o papel de acionistas – não de executivos. Isso inclui de aulas de contabilidade para as mulheres à criação de um pequeno fundo de investimentos, para que os mais jovens aprendam a gerir seus recursos.

Nos últimos anos, os três têm cada vez mais se dedicado a ações filantrópicas, a maioria delas voltadas para as áreas de educação e empreendedorismo. Nas fundações em que investem, como a Estudar (voltada para a distribuição de bolsas de estudos de graduação e pós-graduação) e a Endeavor (de apoio a novos empreendedores), valem muitas das regras que regem suas empresas. Todos os funcionários têm metas a cumprir, e é preciso fazer sempre mais com menos. Na filosofia criada por Lemann, Telles e Sicupira, definitivamente, não há espaço para moleza.

Lemann (Foto: reprodução/Revista ÉPOCA)

 

A jornalista Cristiane Correa é autora do livro Sonho grande,
sobre a história de sucesso dos empresários
Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira  

 

Fonte: Época

(Os comentários são de responsabilidade do autor, e não correspondem à opinião do SB24Horas)
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